sábado, 18 de abril de 2015

ENTREVISTA COM MERRITT KOPAS (por Emily Joveski)

Tradução de Pedro Paiva a partir de entrevista original de Emily Joveski. Observações do tradutor entre colchetes.


Dames Making Games [em tradução literal: Damas Fazendo Jogos]: Perguntas e respostas com Merritt Kopas.

A designer de videogames Merritt Kopas ministrou uma oficina em Ryerson [Universidade Ryerson, instituição de ensino superior canadense] com a organização Dames Making Games, baseada em Toronto.

Videogames frequentemente requerem que você machuque outros personagens de alguma maneira para poder vencer o jogo, mas raramente porque esses personagens tenham lhe pedido para machucá-los. É isso que faz o jogo Consensual Torture Simulator [Simulador de Tortura Consensual] tão único.

Ele é um estranho jogo baseado em texto, feito em Twine - uma ferramenta simples que permite desenvolver jogos online - em que o objetivo é fazer com que a sua namorada virtual chore.

Você pode bater, estapear e espancar ela (não há nomes no jogo) mas tudo isso é negociado previamente, e você pode interromper a ação regularmente para ver como sua parceira está se sentindo, e no final você pode escolher reconfortá-la.

O jogo é menos sobre infligir dor e mais sobre consenso, testando limites pessoais, incorporando o conceito de cuidado nos jogos.

Merritt Kopas é a designer por trás de Consensual Torture Simulator. O trabalho de Kopas é conhecido por lidar com temas como violência, consenso, e cuidado com os outros. Ela também é conhecida pelo jogo de labirinto LIM, que incorpora temas como violência e isolamento da sociedade, e o jogo HUGPUNX, onde flores e gatos felizes brotam pelo cenário quando o jogador abraça pessoas no jogo. Você até pode abraçar os gatos.

Seu blog, Forest Ambassador [Embaixador da Floresta], apresenta uma curadoria de jogos gratuitos que ela descobre pela internet, e ela também está editando uma antologia de textos sobre jogos em Twine chamada Videogames for Humans [Videogames para Humanos], planejada para ser publicada este ano.

Seu envolvimento com a organização Dames Making Games trouxe Kopas ao Ryerson's Transmedia Zone [Zona Transmídia de Ryerson] em 19 de março junto com parte do centro de recursos da RTA School of Media [Escola de Mídia RTA], Studio for Media Activism [Estúdio para Ativismo de Mídia] e Critical Thought [Pensamento Crítico]. Kopas palestrou e ministrou uma oficina com estudantes sobre a tarefa de repensar os videogames e o papel que eles assumem em nossas vidas.

Entrevista

Emily Joveski: O que você quer dizer quando fala de "utopia" em relação ao desenvolvimento de jogos?

Merritt Kopas: Para mim, uma das coisas mais legais que os videogames podem fazer é nos convidar a imaginar alguma outra forma de ser. Usualmente, as situações que os jogos nos propõem não são lá muito revolucionárias. São coisas como "que tal se tiver alienígenas e então nós temos que atirar neles" ou "e se tivesse mágica e as pessoas a usassem para lutar umas com as outras?"

Mas eu penso que os jogos podem nos convidar a imaginar situações como "e se vivêssemos de maneiras radicalmente diferentes, mais sustentáveis ou éticas?" ou "que tal se nos relacionássemos de maneiras mais saudáveis e éticas uns com os outros?"

Jogos que lidam com as sociedades, ou mesmo com relações entre indivíduos, podem ser mesmo muito legais porque nos dão novas ideias sobre como estruturamos nossas vidas.

EJ: Como o conceito de "cuidado" atravessa o videogame feminista?

MK: Cuidado para mim é uma forma desvalorizada de trabalho. Não só nos jogos, mas na sociedade. Mas especialmente nos jogos, nós não somos encorajados a nos preocupar positivamente com os outros personagens do jogo. Algumas vezes temos que cuidar de animais de estimação, mas raramente de outras pessoas. Nós usamos as pessoas nos jogos, na maioria das vezes, como um recurso ou fonte de informações que não lhes dizem respeito. Algumas vezes encontramos relações menos instrumentais, mas dificilmente precisamos confortar pessoas ou cuidar delas. Eu acho que estamos praticamente ignorando toda essa outra faceta dos relacionamentos e interações humanas. E eu acho que há um trabalho verdadeiramente pungente que pode ser feito a partir daí. É algo por esse caminho que eu venho tentando fazer.

EJ: Por que você prefere não falar sobre o caso Gamergate em palestras como essas?

MK: Eu não acho que seja útil. Há toda essa dinâmica em que se fala muito mais sobre as ações abusivas de algumas pessoas do que sobre o trabalho real das mulheres na indústria. Isso sempre se volta para o que essas pessoas estão fazendo para as outras pessoas. E as pessoas acabam sendo enquadradas como vítimas ou "a resistência", e não se permite que sejam realmente pessoas, ou artistas complexos, ou que façam coisas interessantes além de apenas sobreviver. Torna-se esse espetáculo.

Então não é que eu não queira falar sobre isso porque não está mais acontecendo - na verdade ainda está - mas eu acho que é importante termos espaços onde possamos falar sobre o que nós estamos fazendo no nosso dia a dia, o que nós queremos fazer. Como seria se falássemos sobre "pelo que estamos" e não "contra o que estamos"?

EJ: O que é o Twine e por que você acha que ele tem se tornado tão popular nas comunidades ativistas?

MK: Twine é uma ferramenta para criar qualquer tipo de trabalho interativo baseado em texto, como os jogos choose-your-own-adventure [escolha-sua-própria-aventura], poesia interativa com hipertexto ou coisas assim. Pessoas precisam criar todos os tipos de coisas diferentes. Eu acho que uma razão pela qual o Twine tem alimentado um certo tipo de abordagem política é que muitas das pessoas que se aproximaram dele tem se mantido afastadas da alta roda da tecnologia. São pessoas que talvez estejam excluídas (ou desencorajadas mais informalmente) da programação ou da aquisição das habilidades tecnológicas canônicas. O Twine é uma ferramenta que pode te colocar mais ou menos dentro desse campo, sem que seja necessário ter adquirido grande bagagem em tecnologia. As pessoas que querem criar essa espécie de trabalho não tem, necessariamente, acesso garantido às habilidades tidas como necessárias. O Twine é muito útil!

EJ: O que há de único a respeito do Dames Making Games?

MK: Algumas coisas importantes sobre isso para mim é que não se trata de um grupo apologista da indústria, então isso não é sobre colocar pessoas na indústria. Se as pessoas quiserem, então a organização é um grande facilitador, mas ela apóia um leque muito mais amplo de trabalhos: Pessoas no independente, na margem, no experimental. Pessoas tentando fazer coisas mais convencionais. Mas isso não é sobre colocar mulheres dentro da indústria, é sobre permitir que as pessoas façam aquilo que querem.

Aliás, há múltiplos interesses, e o grupo está construído sobre a ideia de que gênero não é a única questão. Raça, classe e outros debates também importam. O grupo está fazendo coisas muito legais como um projeto chamado Indigicade, em que meninas indígenas aprendem a fazer jogos, o que é muito bacana e não é o tipo de coisa que eu tenha visto outro grupo feminista fazer no videogame.

EJ: O que significa "videogames para humanos"?

MK: Eu acho que quando eu falo em videogames para humanos, que coincidentemente é o título do livro sobre jogos em Twine que está para sair mês que vem, eu falo de jogos que se encaixam na vida de seres humanos reais. Eu sinto que os jogos, como nós os conhecemos, tem sido inflados e orientados pelas necessidades do capital numa estranha estrutura cíclica. Algo como "Oh, os games precisam ser grandes porque custam caro, então eles custam mais porque são maiores." Eles se tornam essa enorme massa se alastrando que não é capaz de se adequar à vida da maioria das pessoas, exceto à daquela mais dedicada. Urge que os jogos se adequem às vidas das pessoas, que sejam relevantes para elas.

EJ: Qual a relação entre os jogos de que você fala e os jogos mainstream?

MK: Eu acho que muito tem acontecido fora do videogame mainstream. Pessoas estão simplesmente criando suas próprias coisas, e não esperando que a indústria recupere o atraso ou pedindo que ela faça o que elas querem. Eu acho que algumas vezes há uma dinâmica em que as pessoas são levadas a implorar por migalhas e elas não estão muito satisfeitas com isso. Há uma noção de que podemosfazer as nossas próprias coisas e provavelmente elas não vão ser um blockbuster multimilionário, mas talvez nós não estejamos querendo fazer isso mesmo.

EJ: Você se considera uma "indie gamer"?

MK: Não realmente, eu acho, não sei. Eu não me considero uma gamer, porque percebo isso como o perfil identitário do consumidor. Assim como não me considero uma "reader" ou uma "watcher". Eu jogo videogames mas eles não são parte fundamental da minha identidade. Eu acho que o lance indie é interessante e pode funcionar para algumas pessoas, mas eu estou mais interessada em falar sobre independência e trabalho coletivo em vez desse negócio de indie.

EJ: Qual o problema de definir o que é um "videogame feminista"?

MK: Eu acho que isso nos tira totalmente do rumo. Eu acho que, quando começamos a perguntar se um jogo é feminista ou não, estamos basicamente dizendo se gostamos ou não, se é bom ou ruim. Isso é muito reducionista. Acho que há perguntas mais úteis que podemos fazer: é uma peça de mídia útil para nós de algum modo - e talvez ela tenha falhas e acertos. Esse jogo traz algo de útil e interessante para os projetos feministas? Para mim, são questões muito mais frutíferas do que apenas perguntar se algo é feminista de todo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário