sexta-feira, 7 de agosto de 2015

SISTIM E O CONTROLE DOS QUADRIS



Por que tamanha comoção com a capa da TIME? Por que as pessoas consideraram ela tão ridícula?

Quando fiquei sabendo da existência desses "oclinhos de realidade virtual", coisa de ficção científica, acabei me lembrando do Count Zero, e de como o William Gibson descreve os usuários de sistim, os dispositivos de simulação sensorial. As pessoas babando, respondendo com ligeiros espasmos musculares aos estímulos do programa. Gibson aproxima o consumidor de entretenimento da imagem degradante do usuário de drogas no fim da festa. Não é uma imagem bela pra quem está lúcido e vê a cena de fora, por mais maravilhosa que seja a viagem de quem está dentro.

Já tínhamos visto algo parecido nos sensores de movimento como o Wiimote, ou o Kinect... sabem, esses dispositivos que, longe de introjetarem o espírito de graciosos bailarinos ou vigorosos atletas em seus jogadores, traduzem o velho apertar de botões em uma equivalente e limitada gama de movimentos-código que se tornam uma dança maquinal e bruta.

Sempre foi o sonho do videogame divorciar o corpo dos sentidos - ou, talvez mais exatamente: tornar eternamente disponível a exterioridade, a totalidade dos ambientes que não são o aqui. Por enquanto ainda estamos falando, quase sempre, de visão e audição. Mas a espacialidade num sentido mais tátil já se faz presente, de forma rudimentar, nos sensores de movimento e nos óculos de realidade virtual. Ainda não podemos perceber as texturas dos objetos do jogo, mas por quanto tempo? Talvez o videogame não esteja tão preocupado com o tato, exatamente, mas muito mais em tornar a percepção de espaço no virtual suficientemente convincente a ponto de substituir o real na preferência do jogador - o que pode ser conquistado sem o tato. Mesmo assim, faz tempo que temos esforços em simulação tátil no videogame: a empunhadora das pistolas em jogos de tiro ao alvo, o Rumble Pak e outros dispositivos de vibração para joysticks (simulando dor e impacto nos acontecimentos do jogo), volantes para jogos de corrida, gabinetes arcade imitando carros, motos, naves e seus solavancos característicos. O tato aparece com frequência, mas constitui elementos isolados, dispositivos desconexos. Me parece que não houve até agora um planejamento muito intencional da experiência tátil, ou pelo menos reação tão escandalosa e tecno-otimista em relação a essas inovações, por estarem mais distantes da visão, sentido que protagoniza a experiência do videogame. Eu diria que é na pornografia que o tato vai aparecer primeiro ou se tornar mais importante, como simulação da carícia.

Mas por que a capa da TIME faz rir? Ela expõe o divórcio, simplesmente. Aqui e ali pelo Twitter, além das montagens exagerando o ridículo da imagem à exaustão (já estou ficando um pouco farto desse humor viral da internet), vemos algumas pessoas sugerindo "melhores abordagens". Quem sabe um visual retrô-futurista, quem sabe um ambiente mais provocativo, ficcional; quem sabe uma pessoa mais bela, que "caísse bem" nesse mesmo momento congelado, no lugar do jovem gordo de roupas entediantes. Se existe alguma riqueza em todo esse aparato de realidade virtual, é em como ele desmonta a performance de gênero e o repertório de uma linguagem corporal: o usuário não está presente - ou melhor: está presente em dois lugares simultaneamente, e seu corpo está tão ocupado na tradução dos estímulos que vacila na performance, negligencia o código dos movimentos. Estamos rindo de um bug, não o bug no programa, no jogo, mas do bug na performance do usuário - conflito entre trechos de código. A que figura pertencem os gestos delirantes e descontrolados? Onde está o jogo - na socialidade ou na exterioridade ficcional?

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