O Notch deixou de ser indie, por exemplo. |
Um pouco de contexto, antes de desenvolver a ideia do título: não é segredo que observo a cena independente de São Paulo com ceticismo. Foi dela que nasceram aberrações como o BIG, por exemplo, que é um balcão de negócios para empresários de publicidade e tecnologia. Nasceu como Industry e mudou o nome pra Independent depois da onda causada pelo lançamento do Indie Game The Movie. Manobra oportunista que aproveitou uma falta de certeza conceitual de uma cena até então super improvisada, amadora, que olhava esperançosa pros indies da gringa. Hoje a cena é melhor organizada, mais profissionalizada - o que não é necessariamente bom - e eventualmente expressiva internacionalmente. Mas ela ainda é carente de certeza conceitual.
Me preocupo com a cena paulista porque São Paulo é como se fosse a cena gringa pro resto do Brasil. Ela oferece modelos que são imitados em todas as regiões. E numa cena fundamentalmente online como é a do videogame, vejo a minha crítica também como uma autocrítica da cena brasileira.
Recentemente, durante uma edição do BIG, houve uma roda de conversa intitulada Independentemente: você é independente ou mente?: uma provocação aos organizadores do BIG e também uma maneira de chamar a cena pra responsabilidade de dar limites conceituais ao termo. A conversa foi parte das atividades que estão sendo organizadas pelo GlitchMundo, uma das organizações que surgiram em consequência da carta ao BIG.
Lendo a ata no Discord da organização eu descobri que o grupo chegou à seguinte conclusão: Não queremos definir ou restringir o que é ser independente. Quem se identifica como tal deve ser respeitado como tal. A conversa também produziu algumas reivindicações ao BIG, que eu considero que foram digressões em relação ao tópico proposto.
Essa falta de definição ou restrição vai se manifestar no futuro, quando o GlitchMundo tiver se tornado uma segunda via do BIG. Mas ainda dá tempo de evitar.
Quais são os interesses por trás desse medo da definição? Pra mim existem dois tipos de indivíduos que se beneficiariam disso: empresários mal-intencionados que se aproveitariam da confusão pra capitalizar em cima da ingenuidade alheia, ou os ingênuos que se vêem como os futuros milionários, e que não querem perder a oportunidade de se apresentar como indie mesmo que já não sejam.
E seríamos beneficiados duplamente, como uma cena em busca da sua maturidade, primeiro ao repelirmos os pilantras que querem apenas se aproveitar egoisticamente daquilo que coletivos apaixonados podem oferecer, e segundo ao educarmos os ingênuos que então teriam que optar pela pilantragem aberta ou por uma honesta e radical mudança de conceitos.
Algumas exclusões são saudáveis. Não há desrespeito ao indivíduo quando não respeitamos evidentes contradições entre sua fala e sua prática. Aquele que se sente desrespeitado no seu íntimo com esse tipo de "restrição" está simplesmente mentindo, fazendo um teatro, bolando planos infalíveis, sendo desonesto. Alguém pode alegar que é difícil saber quem é independente numa economia precária poluída por micro-empreendedorismos e relações trabalhistas nebulosas. E é justamente por sermos tão flexíveis nessa precariedade que precisamos de conceitos claros, que nos ajudem nas tarefas de orientação e organização. A flexibilidade é também nossa vulnerabilidade. Precisamos saber de que somos feitos e como fazemos as coisas, pra então nos libertarmos. Consciência de classe.
A pós-modernidade não nos lança num grande vazio de significados, ela apenas afirma a nossa necessidade de entrarmos em acordos sobre o que significam os conceitos que usamos. Precisamos pensar duas vezes pra pensar bem.
Não pode ter esse negócio de qualquer um se identificar como indie e já tá bom. Isso é bagunça. Independente não é uma identidade. Independente é, antes de mais nada, um tipo de organização que tem a ver com suas condições econômicas. Se essas condições são desejadas, ou se elas são sustentáveis, aí são outros quinhentos. Mas é preciso ter clareza de que somos independentes porque não podemos ser outra coisa. É desse "não podemos" que surge o "não queremos", porque não queremos ser aquilo que produziu nossa miséria. Temos que ser independentes porque queremos buscar a condição coletiva de nos sustentarmos sem que seja necessária a subserviência ao BIG, aos empresários malandros que fazem o que querem.
Somos humanos e essa série de coisas fará com que nos vejamos como independentes, com que nos afirmemos como indivíduos que fazem parte dessa independência. A identidade é inevitável, admito, mas deve ser a última coisa que acontece. Caso contrário é só uma tag, uma trend, ou qualquer coisa descolada e hipster mas completamente vazia de significado e utilidade.
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