Em 21/07/2018 aconteceu em Porto Alegre o terceiro encontro Peteca puxado pelo camarada Tobias Ulrich. Uma das conversas que eu considerei mais interessantes foi sobre a questão indie: afinal de contas é importante definir os limites do independente pra manter a cena funcionando bem? Não fizemos um registro da reunião, por isso vou tentar reproduzir de memória as partes mais fundamentais, não com as mesmas palavras e expressões e provavelmente viajando muito, mas peço que os colegas de Peteca me corrijam ou complementem na caixa de comentários. Ou seja: este texto não é um documento assinado por toda a organização, mas um registro pessoal das minhas impressões. Mas quem sabe isso aqui não vira base pra um documento que nos seja útil mais tarde? Escrevi essas conclusões motivado pelo reaparecimento da discussão no Discord do GlitchMundo, em que um colega considerou simplesmente uma discussão inútil e idiota.
Classe
A gente faz uma interpretação classista da questão indie. Somos independentes porque o videogame que criamos é marginal, corre por fora da indústria. Especialmente em nosso caso como brasileiros: nossa indústria é precária, não tem tradição e não oferece oportunidade pro ingresso de cada indivíduo da cena. Estamos fora porque não temos como todos estarmos dentro - muito menos em posições de poder.
Resistência/Contracultura
Ao mesmo tempo que somos independentes por uma condição sistêmica que foge das nossas mãos, também somos por uma necessidade de resistência aos processos de assimilação do nosso videogame. Construímos repertórios muito próprios a partir dessa condição de marginais, e fortalecer uma cena tem a ver com fortalecer esse repertório que vai se tornando uma nova tradição popular.
Quem está excluído do independente?
Por isso estariam excluídos da nossa interpretação aqueles colegas que optam por explorar outros colegas, abrindo empresas tradicionais e se colocando na posição de burgueses.
Também estaria excluída do independente toda produção subordinada a um interesse totalmente alheio a essa vontade genuína de construir tradição popular, como por exemplo advergames ou outros jogos institucionais. Isso é videogame dependente, não quer dizer que seja errado mas estaria simplesmente fora de lugar.
Também foram questionados os jogos que fariam concessões demais pra surfar em alguma tendência de mercado - eu particularmente acho esse ponto frágil, mas foi levantado na nossa conversa.
Também foram questionados autores que são reconhecidamente membros bem-sucedidos da indústria e que pulariam a cerca pra financiar "jogos indies" via financiamento coletivo. Também foi um ponto um pouco mais polêmico que vale a pena estudar melhor.
Sustentabilidade da Cena
O que não quer dizer que não possamos ganhar dinheiro com videogame independente ou que não possamos estabelecer uma sustentabilidade econômica da cena. Inclusive queremos muito e temos que ver como fazer isso. Ser independente não é voto de pobreza, pelo contrário, é levante contra a miséria de uma indústria que não acolhe todos nós. A Peteca é uma organização de esquerda mas todos compreendemos que estamos num contexto capitalista e a nossa sobrevivência está atada ao capital.
Resumão
Em suma: a discussão é permanente, tem pontos mais duros (não pode burguês nem jogo da firma) e pontos mais moles (aventureiros do mainstream, surfistas de tendência etc.). Mas os critérios são bastante claros: somos pobres mas queremos um videogame rico pelas nossas mãos. Não é uma questão identitária, se identificar como indie não basta.
E aí, é inútil?
Quanto a essa discussão ser inútil: ela pode não nos levar a tarefas, mas é importante culturalmente. É educativa pra quem tá se aproximando da cena e vendo a discussão acontecer, pra entender de que se trata afinal aquele coletivo. É um exercício de autocrítica importante pra quem tá compondo a cena a mais tempo e pra quem eventualmente está conquistando algum tipo de sucesso. É um instrumento de construção e manutenção da consciência de classe. Ou seja: a discussão tem funções, mesmo que de ordem mais simbólica. Não é tão inútil quanto parece e tem desdobramentos organizativos. A sua inexistência só serve aos interesses dos que se beneficiam da bagunça e da confusão mental.
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