quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

A PUXAÇÃO COMO PRÁXIS REVOLUCIONÁRIA



O sistema de puxação rotativa da Peteca - cujo funcionamento é explicado aqui - tem muitas possibilidades. A que eu considero como a "primeira possibilidade", por ser a mais óbvia: garante um espaço e um momento de protagonismo para qualquer pessoa que queira propor coisas à cena. O puxador de um encontro Peteca não precisa ser famoso, talentoso ou experiente. Basta ter preocupações ou imaginações e vontade de dividí-las num encontro.

A possibilidade da qual quero falar é outra. Vivemos num processo contínuo de transformação das nossas condições materiais e mentais, um processo dialético que quando registrado se torna história. Como vivemos e como pensamos hoje, portanto, é uma situação que tende a se transformar na medida em que novos elementos materiais ou mentais tornam obsoleto ou insuficiente o viver/pensar de até então. Quando, ao nos depararmos com esses elementos, escolhemos retornar a uma infância perdida sem eles, estamos nos aproximando do fascismo. Quando, ao nos depararmos com esses elementos, entendemos eles como vírgulas da história e, além disso, entendemos também que é necessário propor e criar um novo nexo que os abrigue ao invés de simplesmente nos resignarmos a uma contradição mórbida, então estamos aplicados na práxis revolucionária.

Chegar nesse nexo não é tranquilo e não é um ponto definitivo. É um processo contínuo e compartilhado que não temos capacidade de avaliar em tempo real, e por isso precisamos da história, da teoria e de outras ferramentas mentais pra entender o que diabos está acontecendo. Sabendo mais ou menos onde estão as vírgulas da história, conseguimos trabalhar o texto entre elas.

O que isso tem a ver com a Peteca e o seu sistema de puxação?


O videogame é um lugar completamente afogado em contradições. Um campo de atividade humana capturadíssimo pelo capital - e pelo fascismo. É difícil saber exatamente quando estamos insistindo em ideias e práticas viciadas e quando estamos conseguindo avançar na construção do novo nexo necessário. Esse avanço não deve ser entendido como um futurismo, um progressismo num sentido tosco de carros voadores e pessoas sempre felizes, mas como uma busca por justiça. Inevitavelmente seremos contraditórios agora, estamos muito próximos da vírgula, o suspense da sua chegada é insuportável e estamos nervosos. Felizmente nenhuma resposta é a última! Processo contínuo, ufa!

Já que estamos nessa metáfora de texto, vamos imaginar que cada vírgula é uma puxação proposta por um colega de Peteca, e que cada texto entre elas é um período de lenta avaliação. O puxador tem o poder e a responsabilidade de propor temas e formatos, que podem ser aceitos com muita tranquilidade ou com muito pouca tranquilidade. Se não houver um problema ético fundamental na sua proposição, o encontro acontece e naturalmente deixa algumas pessoas felizes e outras infelizes. Os colegas felizes terão tempo de avaliar o que aquele encontro possui de riquezas, enquanto os colegas infelizes terão tempo de avaliar o que aquele encontro possui de falhas. Há também os que não se emocionaram tanto.

Essas felicidades e infelicidades podem se transformar em crítica - inclusive crítica como mídia mesmo. Mas podem também se tornar brigas e ter efeitos desmobilizadores. O melhor jeito de passar pelo lento período de avaliação entre os encontros - o texto entre as vírgulas - é na elaboração do próximo encontro de forma que ele tenha, para os felizes: condições de seguir no aprofundamento ou radicalização daquilo que o encontro anterior afirmou; para os infelizes: condições de superar a insuficiência do último encontro no exemplo da coisa diferente ou complementar.

Esse ritual de felizes e infelizes - que trocam de lugar entre si e também com os que nem se emocionaram tanto assim - acontece numa dinâmica de perguntas e respostas parecida com os duelos de canto dos repentistas e trovadores. Há o tempo de escutar, o tempo de elaborar uma resposta - o que, no caso dos repentistas e trovadores, se confunde com o tempo de escutar - e o tempo de responder/cantar. A puxação é uma estrofe do repente, uma ferramenta de investigação dos nexos possíveis. Cada puxação testa o que está sendo pensado e feito, cada nova puxação responde a anterior testando a sua atualidade e desafiando os colegas para uma próxima. A rima encaixa, a nova estrofe considera a de antes e abre caminho para a seguinte? Cantando ou puxando, oferecemos recursos pro nosso parceiro continuar a canção ou garantir que a peteca não caia. Esses recursos podem ser simultaneamente facilitadores e complicadores, sem que o complicado seja sempre ruim e o facilitado seja sempre bom.

Agora é sua vez.

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