sábado, 20 de novembro de 2021

O QUE É O RAIV?

A oposição artística é sempre uma das forças que podem contribuir de modo útil para o descrédito e para a ruína dos regimes que destroem, ao mesmo tempo, o direito da classe trabalhadora de aspirar um mundo melhor, e todo o sentimento da grandeza e mesmo da dignidade humana.
André Breton e Diego Rivera, Por uma arte revolucionária independente

Quem conhece os jogos Mais Ódio Menos Playstation já deve ter topado com a sigla RAIV (Red & Anarchist Independent Videogame), que volta e meia aparece nas telas de abertura. Às vezes a sigla vem acompanhada dos dizeres "contra o fascismo, contra o empreendedorismo, contra a identidade gamer, independente por princípio", que vou tentar desenvolver um pouco mais hoje.


CONTRA O FASCISMO

Siglas como RABM (Red & Anarchist Black Metal) e RASH (Red & Anarchist Skinheads) servem de inspiração pro RAIV. Assim como nesses dois casos, o videogame sofreu uma forte penetração fascista a ponto de transformar reacionarismo e videogame quase em sinônimos no imaginário coletivo, fato conhecido e utilizado por líderes de extrema direita como Trump e Bolsonaro. O RAIV serve para denunciar e expulsar essa presença e apelar para a necessidade de um programa de esquerda para o videogame, que responda aos problemas complexos do capitalismo com igual complexidade, sem deixar que a farsa nazifascista siga conquistando aqueles que recusam o neoliberalismo nas suas manifestações progressistas.

CONTRA O EMPREENDEDORISMO

O maior problema do videogame é a falta de imaginação: estamos totalmente capturados pelo espírito careta e automático do vale do silício e pelo charlatanismo coach. Somos incapazes de nos organizar coletivamente fora da forma-empresa. Isso é tão terrível que, mesmo individualmente, cada um de nós está transformado numa pessoa-empresa - competimos para sobreviver o máximo que pudermos ao poder assassino do monopólio, na esperança de que seja o nosso nome a marca que estampa o topo da pirâmide. A cena indie é, antes de tudo, um encontro de empresas - sejam elas grupos de pessoas ou indivíduos, tanto faz. Hierarquia e injustiça vêm junto no pacote, e o mantra "seja seu próprio patrão" é repetido como um sample porque não conseguimos tirar o patrão das nossas cabeças programadas. É urgente que a gente tenha disposição pra correr o risco de passar por louco, pois só correndo esse risco seremos capazes de abrir espaços para imaginar as nossas próprias instituições e dinâmicas de contrapoder. Comecemos esse exercício de imaginação sozinhos ou acompanhados, mas com a solidariedade no horizonte pra que a elaboração prática subsequente seja sólida e duradoura. Temos que fazer nosso videogame partindo de outros critérios de sucesso: fora da competição predatória, fora das hierarquias sanguessugas. Uma empresa tradicional não pode fazer RAIV!

CONTRA A IDENTIDADE GAMER

Tirar o gamer da nossa imaginação! A indústria de games, na medida em que vai se tornando maior e mais cara, se torna também menos disposta a correr riscos comerciais. Através da publicidade, o videogame mainstream provoca uma hipertrofia do seu público-alvo, que se especializa e desemboca na figura do gamer. Em meados dos anos 90, o gamer é reduzido a uma demografia masculina, jovem e heterossexual. Nos anos recentes, esse recorte sofre um envelhecimento, acompanhando a maturidade dos jogadores. Tentativas progressistas de atualizar a identidade gamer encontram a resposta reacionária, que não está disposta a abrir mão do caráter estritamente masculino do grupo. O RAIV não deve cair na armadilha de fidelizar públicos lucrativos - seja lá a que marcadores identitários estejam associados - compreendendo que o interesse dos jogadores (não mais gamers) é variado e sensível às nossas provocações. A homogeneidade das demografias consumidoras é uma ilusão do mapeamento publicitário e não devemos utilizá-la, com o risco de que a ilusão se torne realidade por simples repetição. O interesse dos jogadores nem sempre está em sintonia com a intuição dos joguinistas, que não devem deixar de fazer o tipo de videogame que lhes interessa para obedecer caprichos do mercado - embora esses momentos possam coincidir, exigindo nossa atenção para desviar dos rumos masculinistas e reacionários.

INDEPENDENTE POR PRINCÍPIO

O videogame independente hegemônico perdeu o sentido de tal maneira que podemos ver jogos ditos indie sendo publicados por grandes marcas, por grandes personalidades do mainstream, com assessoria de grandes veículos de mídia, sob títulos de grandes franquias etc. Com frequência, também, o indie aparece como rótulo de jogos em pixel art ou com qualquer estética associada ao "retrô". Mesmo quando usado corretamente, descrevendo indivíduos ou pequenos estúdios publicando jogos por meios próprios, "independente" pode significar apenas uma condição de precariedade a ser superada rumo ao mainstream, com o horizonte da produção sendo ocupar um lugar de destaque na indústria cultural - posição de absoluta dependência. O "independente por princípio" seria, em sua faceta negativa, uma postura ética de recusa ao mainstream e, em sua faceta positiva, um esforço em construir instrumentos que ajudem a manter viva uma cultura de videogame com ampla margem de desobediência às tendências do mercado. Independente não como "mainstream que não deu certo", mas como esforço de fazer dar certo aquilo que o mainstream elimina com sua inércia monopolista.

Espera-se que, em algum grau e sem deixar de lado o apuro estético, sendo preservada a liberdade criativa do joguinista, os jogos RAIV sirvam como peças de propaganda anticapitalista e/ou antifascista. Isso seria muito coerente. Em suma, pode-se definir o RAIV como uma instituição popular do videogame independente contra o poder capitalista, expressa como organização (modelos alternativos de organização no videogame independente, em contraposição às formas da hegemonia liberal) e propaganda (jogos de conteúdo crítico ao capitalismo e suas instituições). Qualquer pessoa ou coletivo pode se apropriar da sigla, dando a ela uma interpretação e uso que julgar apropriada, inclusive expandindo, precisando ou questionando os argumentos deste texto.

6 comentários:

  1. Grande Pedro, eu só concordo. Contra esses rótulos de "publico alvo" da indústria, até por que ants do vídeo game ela já conseguiu pasteurizar coisas como as histpórias em quadrinhos, com seus padrões de conduta nas histórias sempre evitando ofender toda sensibilidade pequeno burguesa.

    Faço uma observação mais específica no fim do primeiro parágrafo:

    "sem deixar que a farsa nazifascista siga conquistando aqueles que recusam o neoliberalismo nas suas manifestações progressistas."

    Eu não colocaria o neoliberalismo, mesmo nas suas manifestações supostamente progressistas, do lado oposto ao fascismo. nem todo mundo vai concordar, mas pra mim essas expressões são em geral autoritarismo disfarçado de bom mocismo. E no geral, todo neo liberasimo, ou o que se tornou a sensibildaide burugesa, não passa de um readequamento do capitalismo a uma realdiade material de maior escassez. O fascismo do séc XXI é a forma que o neoliberalismo está tomando no momento.

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    1. Não são opostos, mas parecem opostos - e isso é aproveitado pela extrema direita. O que quero dizer é que existe uma forma de esquerda e uma forma fascista de recusar o neoliberalismo progressista, a primeira quer resolver os problemas e a segunda quer aproveitar os problemas. No fim das contas o neofascismo e o progressismo neoliberal não são contraditórios, eles vão alternando fases pra atualizar o sistema.

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  2. Jogo é uma figura contra o trabalho, sendo um rito, uma expressão ou passa-tempo ele permanece em seu interior contra o trabalho, não só isso, mas ao autoritarismo, já que ele já foi visto como uma expressão primordial humana e que não pode ser controlada.

    Hoje o que fazem com jogos é contra o que ele mesmo é, e isso tem vazão justamente por conta que o estudo sobre o que é ou não jogo foi encerrado a anos, sendo trocado por livros e eventos que dizem como fazer para vender.

    Eu acho importante esse tipo de movimento, mas quando ele não esta junto de uma visão ou incentivo a busca do pensamento critico sobre o que o jogo é, parece uma luta contra ervas daninhas em uma floresta, não acho que jogos precise de uma sigla nova para lutar contra o que você quer combater, pois em sua essência jogo já luta contra isso.

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    1. Sim, concordo que o jogo já é uma luta contra o trabalho. Mas ele é capturado pela ordem e vira negócio - é contra essa captura que a sigla tá colocada, não contra o jogo. Mas a sigla em si não é necessária, é só uma escolha de armas.

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