"Temos que acabar com os videogames", tem quem diga. "Os videogames alienam, corrompem, viciam", tem quem diga. Podemos simplesmente tomá-los como bobos, considerá-los um bando de ignorantes que sacodem o dedo em direção ao Playstation instalado nas televisões de nossos quartos. Quem vai dizer que não estamos com a razão? Certamente os nossos amigos da internet concordarão conosco, se unirão ao coro que grita apaixonado "videogames são inofensivos, videogames nos ensinam inglês, videogames são uma coisa boa - não sabemos bem por quê - mas garantimos que são melhores do que suas novelas"!
Eu não estou com nenhum deles. Odeio os videogames tanto quanto gosto deles. Acho eles tão estúpidos quanto maravilhosos. Deixem-me explicar: não discordo totalmente daqueles que sacodem os dedos - concordo que, de certa forma, temos que acabar com os videogames. Concordo que eles nos alienam, nos corrompem e nos viciam, assim como nos divertem, nos inspiram e nos proporcionam uma porção de coisas boas. O problema não é o videogame. Tem mais a ver com determinadas formas de ser videogame, aquelas que estão mais enraizadas entre nossos hábitos, aquelas formas majoritárias de produção, difusão e consumo do videogame. É uma ingenuidade pensar que os videogames são neutros, que não contribuem com a manutenção de certos estatutos. Também é uma ingenuidade termos o videogame como a personificação do mal, sendo esse mal o resultado de um processo civilizatório muito mais complexo e anterior. Não devemos demonizar nem proteger. A própria máquina de videogame, o aparato tecnológico que estamos acostumados a conectar na nossa televisão, nos propõe apenas uma forma de nos relacionarmos com ele - uma forma entre muitas outras possíveis.
Não existe tecnologia neutra, porque não existe tecnologia isolada do seu uso. Uma tecnologia só passa a existir, de fato, no momento em que alguém está interagindo com ela, seja soldando placas de circuito ou jogando Xbox. Aparatos tecnológicos são feitos com uma determinada intenção de uso, que podemos obedecer ou subverter, mas essa intenção é o que constitui o aparato num primeiro momento. Um exemplo simplório: o Super Nintendo tem dois controles, o que sugere que apenas duas pessoas possam jogar. Mas nada impede que os dois controles sejam revezados entre quatro pessoas, de modo que todos participem do jogo até mesmo nos momentos em que não estiverem de posse dos controles. Porém, o jogo só pode ser acessado através desses dois controles, e visualizado na televisão à qual o console estiver conectado. Se o console estivesse conectado a um projetor num salão de festas, já seria outra experiência. A tecnologia é o meio através do qual acessamos o videogame - não é a totalidade do videogame. O videogame é um conjunto de experiências que podemos reconhecer como "videogame", ele é potencialmente qualquer coisa, muito além do que nos sugere uma determinada quantidade de fios e botões. Mas a tecnologia empregada também transforma esse conjunto de experiências, ela não é neutra, não é um mero suporte para o jogo. A tecnologia é um limite do que pode ser feito, como parte das regras do jogo.
Se hoje temos uma geração de jogadores-consumidores que vivem para comprar o próximo Playstation, isso é culpa não só do videogame, mas principalmente do uso que temos feito dele e de como temos encarado o papel da tecnologia empregada no seu usufruto. Videogame é consumismo, videogame é ficar em casa, videogame é estar sozinho, videogame é estar sempre jogando videogame. Podemos negar que essas constatações sejam um retrato fiel da nossa relação individual com o videogame, mas podemos negar que essas constatações sejam a síntese do uso generalizado do videogame? Ainda somos reféns da indústria cultural, por maior que seja o número de "indies" no catálogo da loja de gueimes da internet. A indústria trabalha para sistematizar os usos que podemos fazer das coisas, selecionando aquelas possibilidades que são mais lucrativas e trabalhando para potencializá-las, enquanto vai suprimindo aquelas que "dão menos retorno". Podemos nos perguntar: por que os últimos fliperamas que sobraram em nossas cidades estão nos shopping centers?
Seria ilógico pensarmos pelo quê o videogame deve ser substituído para que nossos filhos tenham uma vida mais sadia - se pela bolinha de gude, o pião, ou a pandorga. O melhor é pensarmos de que outras maneiras podemos nos relacionar com o videogame, de que outras maneiras podemos usá-lo. Não adianta termos bolinhas de gude para guardá-las numa caixa enquanto assistimos à novela. Não adianta reclamarmos que nossos filhos não saem mais de casa, se nós mesmos dizemos a eles que serão assaltados, estuprados e atropelados assim que saírem. Como estamos usando as ruas? O carro é neutro? As grades em volta de nossas casas são neutras? O asfalto que separa nossas calçadas é neutro? Como estão sendo construídas nossas casas por dentro e por fora? De que adianta nos desfazermos do videogame, se seremos esfaqueados por aqueles que ameaçam nossas grades, no momento em que saímos de casa para empinar nossas pandorgas? Quem são, afinal, esses fantasmagóricos seres que ameaçam nossas grades? Que "outros" são esses, tão assustadores? Será que eles não gostam de videogame?
Também não acho que as formas solitárias de usufruir do videogame sejam nocivas. Assim como lemos um livro, podemos revisitá-lo numa conversa. Assim como jogamos futebol com nossos amigos, podemos estar sozinhos fazendo embaixadinhas. Sejamos mais imaginativos. Sejamos mais destrutivos. Temos que acabar com os videogames, porque eles são uma tremenda idiotice. Temos que fazer videogame, porque podemos fazer coisas maravilhosas com isso. Não sejamos apenas parte da linha de montagem, não obedeçamos a sugestão de uso que está colocada entre três opções na prateleira. As outras infinitas opções estão lá fora, além das grades, além dos nossos quartos, indiferentes à internet, esperando que nos apropriemos delas. Vamos deixar os executivos da Sony a ver navios, enquanto nos divertimos à beça sem eles! Que evaporem os multiplayer online, se explodam os advergames e se liquefaçam as next-gens! Odiamos os nerds e os gamers! Nós nem precisamos de videogames, na verdade. Queremos pessoas fazendo coisas maravilhosas coletivamente, queremos cultura viva e pulsante! Se for videogame, que pelo menos não seja a tremenda idiotice que tem sido.
Eu compreendo e minha opinião que o vídeo game nós torna cada vez mais bobo, idiota, embora você aprende coisas por causa do vídeo game, o mundo fora dessa realidade é algo extraordinário.
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