domingo, 24 de agosto de 2014

A IMPORTÂNCIA DO ENGAJAMENTO POLÍTICO PARA O JORNALISMO DE VIDEOGAMES (Carolyn Michelle)

Traduzido do original.


Hoje mais cedo, alguém me twittou, "Não quero ser rude, mas você é parte do problema. Você tem comprometido sua integridade como jornalista tornando-se uma ativista."

Sempre me vêm algumas coisas à mente quando vejo expressarem esse ponto de vista. Antes de mais nada, meu papel no GameSpot não era o de repórter. Eu era uma crítica. E eu acredito que o papel de uma crítica envolva engajar-se com o meio em vários níveis, e deixar de fazer a análise no nível da política pode resultar numa avaliação lamentavelmente incompleta da obra.

Jogos, assim como filmes e televisão e livros e música, tem significados políticos. Eles reforçam ou algumas vezes desafiam determinadas ideologias e sistemas de valor. E algumas vezes eu comentei sobre esse aspecto em minhas resenhas dos jogos, sempre num contexto mais amplo em que eu também abordo a mecânica, o visual, o mundo e quaisquer outras facetas do jogo que me parecem merecedoras de atenção nas minhas tentativas de oferecer algum tipo de avaliação de um trabalho complexo e multifacetado. Acho que me chamar de ativista por fazer isso é simplesmente bobo.

Na sua peça "O problema com Azul é a cor mais quente", o crítico Manohla Dargis do New York Times disse o seguinte:

A verdade é que, se eu ficasse preso a cada diretor predatório ou cada imagem degradante de uma mulher, eu não poderia ser um crítico de cinema. Então eu assisto, amando os filmes que não necessariamente amam ou mesmo gostam das mulheres.

Eu sinto muito isso em relação a jogos. Muitos jogos desrespeitam ou insultam ou odeiam as mulheres, reforçando idéias patriarcais e algumas vezes profundamente misóginas sobre o papel das mulheres e o valor das mulheres em relação aos homens. No entanto, em vez de comentar sobre isso em minhas análises de todo jogo que reforça uma visão regressiva das mulheres, eu prefiro criticar somente aquelas abordagens mais evidentes, problemáticas ou absurdas. O número de resenhas que eu escrevo comentando sobre as representações da mulher é muito baixo. Mesmo assim, o que é triste e ao mesmo tempo engraçado, o fato é que sempre que eu faço isso sou taxada de estar movendo uma cruzada feminista por alguns leitores, e na seção de comentários de todas as resenhas que eu escrevo prevalece a sugestão de que eu teria dado a pontuação para determinado jogo baseado no tratamento que dedica às mulheres, mesmo quando eu nem levanto essas questões.

Dadas essas observações e outras críticas e assédios que recebo por sempre levantar essas questões, e as críticas e assédios que já vi outras mulheres (e, em menor grau, homens) sofrendo pelo mesmo motivo, está muito claro para mim que esta citação, que eu rebloguei ontem, vai bem no xis da questão:

A cultura gamer tem negligenciado o debate sobre o papel da mulher de tal maneira que muitos acreditam honestamente que o status quo de objetificação da mulher-como-recompensa é uma posição inicial "apolítica" e "neutra".

Jogos não são politicamente neutros. Assim como qualquer comédia romântica mainstream, filme de ação ou qualquer novela que eu já tenha assistido. Eles podem eventualmente parecer politicamente neutros caso os valores que reforçam sejam coerentes com os sistemas de valor na cultura mais ampla, mas tampouco nossa cultura é politicamente neutra, e não está fora das responsabilidades de uma crítica comentar ou levantar questões sobre os significados políticos que permeiam os trabalhos avaliados. De fato, é até mesmo impossível analisar algo apoliticamente, porque deixar de comentar ou desafiar os aspectos políticos de um trabalho em nossa resenha é dar-lhes uma aprovação tácita.

Este teaser de Battlefield Hardline, por exemplo, glorifica e fetichiza seriamente a militarização do aparato policial e seu poder de fogo. Isso sempre foi profundamente político, e recentemente eventos tráficos tem tornado impossível ignorar a natureza política de tal imaginário.


O que me lembra de outra coisa que vem à minha mente quando vejo expressarem esse ponto de vista. Inerente à afirmação de que, por ser uma "ativista" - o que, aqui, eu entendo como "alguém que tentou levantar questões e preocupações sobre ideias presentes em alguns jogos" - eu falhei em ser uma "jornalista", é a ideia de que jornalistas nunca devem tentar desafiar as estruturas de poder e ideologias políticas vigentes ou dar voz àqueles que não estão sendo ouvidos nem qualquer coisa parecida, que o papel dos jornalistas é sempre simplesmente relatar os "fatos" mecanicamente, de modo que jamais seja favorecido um "lado" sobre o outro, sempre apresentando todos como iguais, mesmo quando não há igualdade. E eu nunca iria sugerir em um milhão de anos que escrever sobre videogames é remotamente a mesma coisa que cobrir as notícias do mundo real, como por exemplo os recentes acontecimentos em Ferguson ou Gaza. Eu não acredito por um segundo que seja. Pelo contrário, isto é apenas para fazer um ponto sobre o que jornalismo é e não é. Uma cobertura jornalística de Ferguson que ofereça uma visão ampla e complexa dos eventos deveria naturalmente levantar debates sobre o abuso de autoridade, racismo institucionalizado e opressão. Isso não é ativismo; que é parte do que o jornalismo pode e deve fazer.

Jogos não são o mesmo tipo de coisa. Graças a Deus. Mas assim como filmes e livros e TV, eles são um meio significativo que dá forma e é formado por uma cultura mais ampla. Jogos são dignos de serem levados a sério, de serem tratados com respeito, e parte do que isso significa é, como livros e filmes, receberem uma cobertura séria e crítica. Sugerir que o jornalismo sobre videogames não deveria levantar discussões ou desafiar as políticas da indústria do videogame ou dos jogos em si é terrivelmente errado. O jornalismo de videogames precisa fazer isso. Qualquer publicação jornalística ou escritor que esteja cobrindo videogames e que nunca se envolva séria e politicamente com seu objeto de análise está falhando em fazer jornalismo.

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