Tradução do original por Pedro Paiva.
Por Dentro do Videogame Bootleg de Pedro Paiva
A SERVIDÃO É VENDIDA COMO UM PRIVILÉGIO
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É difícil escrever sobre jogos, em parte porque texto escrito é algo estático, e videogames são tão dinâmicos quanto uma mídia pode ser. É difícil escrever sobre jogos curtos e gratuitos como os de Pedro Paiva. A crítica às vezes adiciona uma camada artificial de mística sobre o objeto que está tentando descrever, e fazer isso com jogos que são acessíveis é trair sua intencionalidade. Paiva é brasileiro, 27, e faz o que poderíamos chamar de "jogos vinheta". Ele também é um professor de artes caído e um anarquista sem remorso. Seus jogos estão mais ou menos disponíveis em seu blog: menosplaystation.blogspot.com, junto com traduções e ensaios em política, história, arte e cultura do videogame. Levaria talvez menos tempo jogar esses jogos do que ler sobre eles, mas mesmo assim, escrever exaustivamente sobre algo que eu gosto sempre foi minha maneira favorita de enterder o que eu gosto, e por que eu gosto. Espero que, analisando esses jogos até o seu cerne, eu possa mostrar pra vocês algo novo, pra conseguirmos compreender melhor alguma coisa.
Mario Empalado |
Vamos começar com Mario Empalado. Como o nome sugere, empalar é atravessar alguém com uma estaca, e Mario é o usual mascote da Nintendo. Caso você esteja tendo problemas pra imaginar a cena, o jogo começa com uma ilustração bastante gráfica disso.
Devo dizer que o jogo está disponível em Inglês e Português, o que é muito simpático. A caixa de texto inferior diz "MARIO EMPALADO: UMA CARTA DE ÓDIO À INDÚSTRIA DO VIDEOGAME E A ESTÚPIDA PSEUDO-CULTURA GAMER. ATIRE NO MARIO PARA COMEÇAR." Há uma grande estaca sangrenta atravessando o corpo inerte do Mario. Depois de atirar nele pela primeira vez, Mario desliza pela estaca. Você pode continuar atirando, o que faz com que ele gire no eixo da estaca. É muito agradável.
Não de modo violento e psicótico, veja bem. É agradável de uma maneira tátil. Tem uma fricção gostosa, faz um barulhinho satisfatório e há algum retorno visual (o que parece ser um rastro de sangue deixado pelo corpo deslizante). É um pequeno detalhe, mas sempre que eu jogo Mario Empalado eu sinto como é bom atirar no Mario. Isso demonstra uma elegância em design. Quando o jogo apareceu no freeindiegam.es (que tem seu lugar na história do videogame), a reação foi mista. Alguns acusaram o jogo de ser grosseiro, juvenil, imaturo. Um comentarista que atendia pelo nome de "nobody" tentou defendê-lo: "Eu devo insistir que os jogos de Paiva são simplesmente engenhosos demais para merecer esse tipo de reprovação, embora eu tenha dificuldades pra colocar em palavras por que eu tenho essa impressão tão forte. (Alguém aí gostaria de tentar?)". Eu vou tentar, 4 anos depois. Eu acho que a "engenhosidade" do Senhor Nobody tem a ver com essa impressão de elegância que eu tenho. Assim como as primeiras frases do primeiro parágrafo de um livro nos informa sobre seu autor, as interações em Mario Empalado falam muito sobre os valores de produção do gamemaker: as animações são pequenas, mas delicadas. Fica visível o tanto de cuidado que foi dedicado a essa carta de ódio em forma de videogame.
Mario Empalado |
O jogo progride por uma série de cenas. Na primeira cena há uma cama. "MIYAMOTO ESTÁ DORMINDO CONFORTAVELMENTE EM SUA CAMA. ATIRE PARA MATAR!" ordena a caixa de texto superior. Segunda cena, um cara sentado numa mesa. "KOJIMA ESTÁ ALMOÇANDO NO SEU RESTAURANTE FAVORITO E VOCÊ SABE O QUE DEVE FAZER". O jogo tem 10 cenas e vai gradativamente ficando surreal, enquanto a escrita vai se tornando menos descritiva e mais inflamada. Deixe-me dividir com vocês a minha parte favorita do texto do jogo, da quarta cena: "PELO QUE VOCÊ ESPERA, SE JÁ SABE QUE CADA NOVIDADE SERÁ SUCEDIDA PELA FABRICAÇÃO DE NOVAS EXPECTATIVAS?"
Mario Empalado |
Agora você tem uma metralhadora e, depois de cumprir seu objetivo matando todo mundo, a caixa inferior diz: "A SERVIDÃO É VENDIDA COMO UM PRIVILÉGIO. A PERSPECTIVA DO CONSUMIDOR NÃO NOS PERMITE PERCEBER AS SUTILEZAS". Mario Empalado é categorizado pelo autor como "experimental/videogame manifesto".
O jogo foi distribuído recentemente numa coleção com outros dois jogos. Foi publicado no itch.io, mas foi tirado de lá pela Nintendo junto com outros vários jogos que usavam propriedade intelectual da empresa. A Nintendo claramente não concorda com seus valores ou aprecia "algo com nuances artísticas sobre o Mario sendo assassinado", como descreveu a crítica e gamemaker Liz Ryerson. Outro jogo que está nessa coleção é Carrocracia.
Parece um clone de Frogger, um onde é impossível atravessar a rua sem ser atropelado. Você pode falar com o vendedor de carros, que sempre vai perguntar se você quer comprar um carro. Você só pode responder que sim, o que te faz perder instantaneamente.
Carrocracia |
Numa palestra, Liz Ryerson descreve esse jogo como um "estranho e sarcástico comentário sobre carros [...] que desemboca nesse estilo visual meio bootleg". Eu me interessei muito por sua escolha de palavras: "bootleg". Esse rótulo poderia ser aplicado a muitos de seus outros jogos. Com essa descrição, Ryerson chega no que eu acho que é um dos elementos definidores do trabalho de Paiva. Mas para enrender por que "bootleg" é um conceito importante, temos que falar sobre o que é crescer no Brasil com nossa história sombria da cultura do videogame.
No final dos anos 80, videogames estavam num lugar além ou aquém da legalidade. Consoles clones como o Phantom System, resultado de engenharia reversa a partir do NES, eram comuns. Os cartuchos tinham preços proibitivos. A aplicação da lei simplesmente não chegava nos copyrights dos videogames, então não havia nenhuma preocupação em impedir que clones e versões bootleg ou pirata circulassem - Nintendo e Sega estavam no Japão, o que significava oceanos de distância naquele tempo. O vento soprava em uma boa direção, e a temperatura estava na medida. As condições para um colorido mercado foram estabelecidas: bem-vindo à era de ouro da pirataria no Brasil.
O Phantom System |
A maior parte desses jogos eram vendidas por contrabandistas, ou por pessoas que conheciam algum contrabandista, praticantes da antiga arte de voltar com produtos impostados de lugares como o Paraguai. Na minha experiência pessoal, videogames contrabandeados eram vendidos pelos camelôs junto com bolsas falsificadas, comida, CDs e por aí vai. Esse mercado à beira da legalidade também era um espaço social e, lembrando agora, me parecia um pouco mítico. Acho que a maior parte das pessoas achava grosseiro.
Os jogos pirateados alimentaram a cultura do videogame no Brasil, não deixando que ela fosse estrangulada por jogos que custavam metade de um salário mínimo na época. Nem todo mundo tinha um console, mas alguém por perto sempre tinha; cartuchos eram trocados e emprestados; Pedro Paiva me contou que seu primeiro console foi um Master System 3 Compact, uma variação brasileiro do Master System, que seu irmão trocou por uma bicicleta; fliperamas improvisados começaram a surgir, pequenas locadoras que permitiam que você pagasse dois reais pra jogar um console de sua escolha durante uma hora.
Hack brasileiro de International Superstar Soccer Deluxe |
O favorito de uma locadora que eu frequentava era o International Superstar Soccer Deluxe (1997), para o Super Nintendo. Logo foi substituído pelos seus clones brasileiros, Ronaldinho Soccer '97 ou Futebol Brasileiro '96 (esse eu cheguei a ter). Esses jogos bootleg eram completamente modificados pra representar melhor os nomes dos jogadores, os uniformes e os escudos dos clubes brasileiros. Pedro Paiva é um fã de Sonic 4, para o SNES, um hack latino-americano de Speedy Gonzales com sprites trocados, onde o Sonic precisa salvar o Mario por alguma razão. Foi a pirataria que permitiu que esses jogos estranhos existissem.
A variação mais comum desses bootlegs eram os cartuchos multi-jogos, os X-em-1. Você podia comprar um único cartucho que tinha até 8 jogos dentro. Pedro Paiva me disse que estava pensando nisso quando desenhou as telas-título das coletâneas.
Mario Empalado + Carrocracia + Quem Sabe Outro Dia |
Pra ajudar com o tom de bootleg/demoscene, seus jogos geralmente começam com uma paródia do infame slogan do FBI: "ALL COPS ARE BASTARDS". Lembrem-se: sem remorso. Então surge o controle de Playstation derretendo, que é o ícone do seu blog e uma espécie de marca pessoal. Por fim, um aviso dizendo que o autor encoraja a exibição e distribuição do jogo e "Boicote as megacorporações do entretenimento! Jogue videogame independente!".
Pedro Paiva tem uma agenda, um projeto amplo para os videogames. Através dos posts do seu blog, eu acho que nós podemos pontuar algumas de suas escolhas estéticas. Em um de seus ensaios intitulado "Por Um Sonic Anarquista", ele diz: "Um projeto de sociedade libertária que não considere a importância do videogame no coração das pessoas está condenado a sucumbir diante de uma reação violenta ou da pura indiferença - soaria como uma das leis do Doutor Robotnik: É proibido diversão. Não ignorando o amor das pessoas ao videogame, e não ignorando tampouco o enfraquecimento das boas ideias que atribuímos à força do mercado, a melhor das tarefas é a mais simples: reverter o processo, fazer o contrário com as mesmas armas, exagerando ou mesmo deturpando o sentido original dos universos ficcionais dos jogos. A boa e velha propaganda." Depois ele fala sobre détournement, "Uma forma potente de propaganda já foi elaborada à perfeição pelos situacionistas."
De "Um Guia Para Usuários do Détournement (Guy Debord & Gil Wolman) |
Seja através de escolhas conscientes ou não, eu acho que os jogos de Paiva refletem a cultura do bootleg. Claro que não há mais um imperativo tecnológico para o bootleg - o Brasil acabou se tornando um mercado regular na indústria global de videogame. Mas além dessas implicações materiais, há debaixo da superfície um estado de espírito que seus jogos recapturam. A sensação de que os símbolos culturais estavam mais ao nosso alcance, e poderiam ser mais transgressivos. Isso implica que, repropondo os personagens e modificando suas narrativas, estamos reclamando a posse desses mundos fictícios, gerando resistência ao cânone. Talvez um gif deixe ainda mais claro esse ponto:
Em outro ensaio, "Videogame, Arte e Acidentes de Trem", ele diz: "Cooperative Gaming Co-op, Different Games, Oak-U-Tron, Babycastles, Punk Arcade, Pirate Kart, entre outras, são iniciativas que buscam transformar o videogame [...], como alternativa crítica ou antagonismo ao videogame hegemônico". Paiva tem seu próprio projeto de arcade nesse sentido (o Totem-Máquina Mercer), e isso tudo me lembra daqueles fliperamas improvisados de quando eu era criança - eles eram, como Pedro Paiva os chamaria, "um espaço para a apreciação coletiva do videogame". Eu não estava lá só pra jogar videogames, mas pra estar perto das pessoas, me conectar com gostos parecidos - em um lugar onde códigos de fatality e cópias piratas de RPG Maker 95 eram moeda de troca. E eu acho que os jogos de Pedro Paiva se encaixariam bem nesse lugar.
Há um jogo que eu acho que é a maior realização de Paiva: ESSES GAMES VIOLENTOS: PROIBIDÃO. Não confundir com o anterior ESSES GAMES VIOLENTOS, feito quando ele era um professor assistente na sua universidade, pelos seus alunos de 11 anos - embora existam semelhanças. Porpentine disse em seu velha coluna do "Rock, Paper, Shotgun" que era "fácil chamá-los de masocore [por causa de sua dificuldade], mas eles soam mais como puzzles revestidos de um vocabulário de videogames. Cada desenho tem suas próprias regras, que constitui um enigma ele próprio. Parte do puzzle é desvendar as excentricidades de cada animação."
ESSES GAMES VIOLENTOS |
Às vezes ele pode parecer um shooter, ou um platformer, mas funciona mais como um puzzle. PROIBIDÃO é mais ou menos a mesma coisa, mas seu conteúdo é diferente. Sobre o primeiro, Porpentine também falou: "O áudio é 100% feito com a boca. Eu morri muitas vezes pra ouvir as fanfarras que as crianças faziam. Valeu muito a pena." ESSES GAMES VIOLENTOS é divertido, até eufórico, terno. O áudio de PROIBIDÃO é composto de loops de rap e funk carioca. "Proibidão" é o nome que se dá à música funk mais associada ao crime, drogas e gangues.
ESSES GAMES VIOLENTOS: PROIBIDÃO |
PROIBIDÃO tem 10 vinhetas, todas feitas pelos estudantes de Pedro Paiva na época em que os tutelava trabalhando na FASE. Ele ficou responsável pela programação, os sons, e a tela-título. Ele perdeu seu emprego por causa disso. FASE é a "fundação de atendimento sócio-educativo" que atende várias unidades como a CSE, POA I, POA II e CASEF (essas siglas aparecem em várias vinhetas do jogo). Em suma: um centro de detenção de menores. Pedro Paiva foi contratado pelo estado, e parte de seu trabalho era dar aulas de arte para jovens infratores em "situação de liberdade restrita". Ele decidiu ensiná-los a fazer videogames.
Abertura do PROIBIDÃO |
Durante os créditos, eu contei 49 nomes - ou apelidos. No fundo, uma imagem dos Irmãos Metralha, os bandidos do universo do Pato Donald. Não é um apelido incomum no Brasil: se você procurar por "Irmãos Metralha" no Google, vai achar vários grupos criminosos que atendem por essa alcunha. A escolha por mostrá-los no jogo tem nuance, ecoa a cultura do crime, assim como o desenho sofisticado do Curinga na tela-título, brincando com um punhal. Eles são personagens que foram reterritorializados nesse estranho imaginário urbano do Brasil.
"Aventura Noturna" em PROIBIDÃO |
Eu acho que Aventura Noturna, uma das vinhetas do PROIBIDÃO, é um bom exemplo para o resto do trabalho. Aventura Noturna é o único que tem desenhos das pessoas que fizeram o jogo junto com seus nomes. Quando o jogo começa, você controla o Pato Donald, atirando com um canhão na traseira de uma caminhonete 4x4.
"Aventura Noturna" em PROIBIDÃO |
Se você matar a polícia nas torres, o portão se abre e você pode ver os caras que fizeram o jogo correndo pra sua caminhonete. Você está ajudando eles a fugir da prisão. Se você, Pato Donald, sobrevive a perseguição de carro até o final, vai conseguir levar eles a um baile funk, um tipo de festa que toca funk proibidão, associado a comunidades pobres, e consequentemente o crime, numa perspectiva brasileira conservadora. Uma noite divertida, na perspectiva do jogo.
"Aventura Noturna" em PROIBIDÃO |
As outras vinhetas trazem muito dos mesmos temas: dinheiro, crime, tentativas de fuga da prisão, ou simplesmente o uso recreativo da cannabis. Para fazer os jogos, Pedro Paiva ensinou seus estudantes as bases da animação, e publicou alguns de seus estudos aqui.
Pedro Paiva me contou que um de seus estudantes, descontraidamente, uma vez disse que queria distribuir os jogos que estava fazendo junto com as drogas que vendia. Eu achei uma cena divertida. A equipe administrativa não apreciou tanto assim o humor do projeto, no entanto.
Um dia, um policial entrou na aula de Pedro Paiva sem avisar. Ele não disse nada e começou a tirar fotos do quadro negro. Então ele saiu, e os estudantes começaram a se preocupar se teriam por causa do trabalho que estavam fazendo. O título do jogo era "Fuga do CSE". "E também tinha um storyboard descrevendo o level design do jogo. Os estudantes desenharam as fases no papel, então eu fiz uma síntese de cada fase no quadro negro. A partir disso, tentávamos dar uma coesão narrativa às partes que cada um desenhou".
Quando a adminstração descobriu sobre o conteúdo do PROIBIDÃO, não ficaram muito felizes. Pediram ao Pedro que sumisse com o trabalho e dissesse aos estudantes que tinha perdido tudo. "A política da FASE era sobre fingir que o passado dos estudantes nunca aconteceu. Como se eles fossem sair da prisão pra um mundo totalmente diferente, destacado do mesmo contexto que os aproximou do crime em primeiro lugar". Ele disse que se livraria dos desenhos, mas em vez disso continuou trabalhando: um estúdio de videogame clandestino dentro da prisão.
"É os guri, não adianta" em ESSES GAMES VIOLENTOS: PROIBIDÃO |
Com jogo ou sem jogo, a administração já estava limitando o acesso de Pedro a algumas turmas e estudantes, e a pressão chegou a um ponto em que ele se demitiu. "Uma vez eu pedi aos estudantes que desenhassem uma narrativa em três cenas: passado, presente e futuro. Um dos grupos desenhou uma arma no passado, grades de uma cela no presente, e um desenho estereotipado de criança com uma casa, flores e família no futuro. No dia seguinte eu descobri que a equipe da casa tinha jogado fora o cartaz porque 'desenhos de arma não eram permitidos'. Parecia que eles tinham medo das imagens e ícones do crime. Assim como provavelmente tinham medo daqueles adolescentes." Ele parece descontente com o ensino e as escolas. Quando o entrevistei, ele dividiu comigo algumas de suas ansiedades. Ele está atualmente desempregado, vivendo de economias e sem saber o que fazer em seguida. Mas está trabalhando num jogo novo, e me conta que é "algo como Sunset Riders misturado com Bart vs. Space Mutants".
Tag Reto Space Mutants, em produção |
De volta ao PROIBIDÃO: os títulos das vinhetas e apelidos dos autores podem ser difíceis de ler, porque estão todos escritos em Pixo. Pixo é uma maneira distinta de graffiti nascida e desenvolvida nas ruas brasileiras. Também é o tema do jogo de Paiva que está em produção. Se você tiver interesse na história do Pixo, eu recomento este documentário pelos cineastas João Wainer e Roberto T. Oliveira.
Pixo é enigmático, críptico, e conflituoso por natureza. "É anarquia pura; é ódio, sabe o que quero dizer?" pergunta um pixador entrevistado no documentário. Pixo é outra instância de détournement. ESSES GAMES VIOLENTOS: PROIBIDÃO é o Pixo do videogame.
Há uma grande controvérsia ao redor do Pixo no Brasil agora, desencadeada pelos delírios mal-aconselhados de um prefeito que quer repintar a cidade de São Paulo inteira e se livrar do graffiti completamente - não é uma empreitada particularmente nova, exceto pelas suas dimensões. Uma questão costuma vir à tona quando se discute isso: "Pixo é arte?" - você talvez tenha ouvido uma pergunta parecida antes. Eu imagino que Pedro Paiva diria que o Pixo não se importa. Pixo é um choque entre os níveis conscientes e subconscientes de uma cidade. É ilegal, mas sua natureza garante que a lei seja impossível de ser aplicada. Pixo captura paredes e propriedade privada para servir a seus próprios propósitos, reencaminhando os significados usuais da cidade, um ataque verbal à forma cultural dominante.
Os jogos de Pedro Paiva se alimentam do mesmo raciocínio. Eles fazem a pergunta "a quem pertence a cultura?", enquanto fornece a resposta auto-evidente: uma grande estaca sangrenta atravessando o corpo inerte do Mario. Os videogames, como ele imagina, são uma forma de guerrilha cultural. Seus jogos são coloridos por sua localidade, incorruptos, como remanescentes de um mundo pré-globalizado. Como os camelôes dos anos 90, moldando a cultura através de cartuchos não licenciados, Pedro paiva está tentando criar não só jogos, mas espaços físicos e mentalidades que permitam que o videogame prospere - não como Arte, que é pra onde as coisas vão para morrer, e tampouco como produtos de consumo; Mas como algo mais, algo que não compreendemos muito bem, de onde nossas expectativas ainda são originais, "não fabricadas" (como Mario Empalado diria). Seus jogos são curtos, experiências condensadas que parecem canalizar uma tradição muito particular da cultura DIY. Eles me lembram que, quando eu encontrei os videogames pela primeira vez, suas qualidades emergiam não só daquilo que eles eram, mas do lugar em que estavam. Talvez pra nos tornarmos parte de uma conversa global nós tenhamos aberto mão de algo que eu não sei se deveríamos. A cultura oficial do videogame chegou, e agora que está aqui ela soa velha, vazia. Bootlegs e jogos piratas sempre foram um corpo estranho a ela.
Foda demais.
ResponderExcluirTem algum mirror do Mario Empalado?
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