Traduzido do original por Pedro Paiva. Comentários entre colchetes são do tradutor.
[Existem boas razões pra não querermos que o videogame seja considerado arte. Este texto escolheu as piores, as mais reacionárias possíveis, e estou o traduzindo como contra-exemplo e porque gostaria de elaborar algumas respostas.]
Uma cadeira não é um videogame. Talvez você possa transformar a cadeira num console de videogame com algumas modificações extravagantes mas, em geral, podemos dizer seguramente que o bom e velho objeto onde você descansa seu traseiro não é, de fato, um videogame. Isso parece ser uma afirmação óbvia - até mesmo absurda - pra se fazer, mas é este o grau da presente erosão dos conceitos e significados. Disso pode surgir um desastre para o desenvolvimento independente, para o financiamento de jogos e o engajamento público com a cultura do videogame de modo mais amplo.
Uma cadeira não é um videogame. Talvez você possa transformar a cadeira num console de videogame com algumas modificações extravagantes mas, em geral, podemos dizer seguramente que o bom e velho objeto onde você descansa seu traseiro não é, de fato, um videogame. Isso parece ser uma afirmação óbvia - até mesmo absurda - pra se fazer, mas é este o grau da presente erosão dos conceitos e significados. Disso pode surgir um desastre para o desenvolvimento independente, para o financiamento de jogos e o engajamento público com a cultura do videogame de modo mais amplo.
A Fonte, Marcel Duchamp, 1917 |
Poder questionar a essência das coisas é uma habilidade que nasce do racionalismo moderno: ao medir e documentar o mundo à nossa volta, aplicando cuidadosamente a razão dedutiva, podemos compreender conceitos e categorizá-los. Uma cadeira não é considerada um videogame enquanto um urinol pode ser considerado uma obra de arte - assim como uma cama por fazer.
Minha Cama, Tracey Emin, 1998 |
O termo "arte" se tornou completamente inútil no mundo moderno. Poderíamos muito bem viver sem essa palavra, uma vez que sua definição e, especialmente, sua aplicação, foi fartamente alargada e deformada. Essa névoa de incertezas foi celebrada por muitos no século XX como uma abertura para possibilidades novas e desafiadoras. Arte se tornou um conceito [sempre foi um conceito e sempre passou por transformações], mas foi minando cada vez mais e mais o interesse público à medida em que se afastou de seus contornos anteriores - desinteresse ocasionalmente acompanhado por risinhos incontidos e cabeças balançando incredulamente em reação ao quão pretensioso e feio o mundo da arte se tornava. Ao invés de tornar a arte mais democrática, ampliar a definição de arte só fez dela mais exclusionária e elitista.
Aqueles que pensam estar ampliando os horizontes não estão mais realmente interessados em fazer jogos, mas em fazer declarações conceituais. E como temos visto no mundo da arte, isso acaba alienando o público.
As pessoas simplesmente não compram mais impressões de arte. Fora de círculos sociais restritos nas grandes cidades, as pessoas não sentam mais pra conversar sobre obras que viram em galerias. A arte era vista como uma herança da alta sociedade, algo que as pessoas desejavam conquistar. As classes médias costumavam correr para comprar impressões dos artistas em alta; arte era algo que movia ampla interação pública - muito mais do que se vê hoje. Há uma razão para que muitas das impressões compradas hoje sejam de artistas mortos faz tempo. Eles são de um tempo em que as galerias de arte buscavam novos trabalhos que tivessem um apelo estético inato. Conforme a arte foi ficando mais feia e deliberadamente obtusa, o mercado de massas que dali derivava foi secando. O mesmo vai acontecer com os videogames à medida que eles se tornam menos divertidos e desprovidos de mecânica. Aqueles que querem transformar nossos fliperamas em galerias de arte deveriam dar uma olhada na percentagem da nossa população que visita as galerias. Fora da bolha do mundo da arte, todo mundo está olhando enojado. Fora da bolha dos "art games", os gamers estão fazendo o mesmo.
[A preocupação aqui é com o mercado, não com a comunidade. Quando o autor diz "comunidade", está falando dos consumidores. É engraçado ver como ele lamenta o fim do desejo pela ascenção social através do consumo de obras de arte - parece não ser um problema a redução da arte à função de capital. As belas artes, formadas pela díade "pintura e escultura" (outros meios como desenho e gravura eram considerados arte menor em função de sua reprodutibilidade e menor durabilidade e grau de acabamento - a fotografia surgiu tardiamente e nunca conseguiu de fato alcançar o mesmo status), representam para os conservadores aquilo que a arte deveria ser até hoje: quadros e estátuas belas, verossímeis, imagens de grandiosidade entre molduras ou sobre pedestais - elementos importantes que separam o que é arte do resto do ambiente (ou o que é sagrado do que é mundano). A imagem de uma aristocracia em decadência - e de uma burguesia que se apropriava desses símbolos como forma de construir-se como nova classe dominante. O mais brutal ataque à honra da pintura foi desferido pelo Cubismo Sintético ao incluir colagens com papel impresso e partes de objetos reais. As belas artes agora também eram colagem. Fragmentadas como a realidade na era das grandes guerras e revoluções.]
[O dadaísmo (tendo seu início em 1916) se apaixonou por esse tipo de desafio às categorias e foi o responsável por estabelecer de vez o desrespeito aos critérios como um dos mais queridos modus operandi do artista moderno. A razão, a lógica, o "verdadeiro sentido das coisas" não passava de caprichos muito frágeis incapazes de sobreviver a uma guerra mundial. A fonte de Duchamp, um ex-cubista muito interessado no cinema (ainda um bebê) e no movimento, é talvez o exemplo mais famoso desse tipo de atitude diante da arte e do quão insuficiente e superficial ela se tornara. O mercado e as instituições de arte sobreviveram ao dadaísmo e aos ready-mades, e de uma louca criação destrutiva essa dinâmica passou a funcionar como mera adaptação. Não é certo dizer que o dadaísmo perdeu - já que ele não tinha objetivos (uma ética algo Curinga do Ledger). Mas a velha e grandiosa arte se manteve como um sistema pronto a absorver qualquer coisa - um sistema de defesa indestrutível, perfeitamente blindado contra inovações desconstrutivas. As vanguardas pós-pictóricas (que desafiavam a definição de pintura e consequentemente a de arte como pintura) foram uma espécie de vacina contra a arte degenerada. Arte deixou de ser sobre tradição nacional e passou a ser uma corrida global pelo estilo mais avançado. Esse estilo não tinha mais nenhum compromisso com a pintura ou com a escultura. Arte era um campo simbólico violentamente disputado. Não tendo mais pra onde avançar, os artistas - não mais organizados em movimentos nem obedientes a estilos programáticos - passaram a explorar o passado no que culminou no ecletismo pós-moderno que hoje define o mercado de arte erudita. O legado da arte conceitual, contudo, modificou permanentemente os discursos possíveis sobre as obras de arte.]
[A preocupação aqui é com o mercado, não com a comunidade. Quando o autor diz "comunidade", está falando dos consumidores. É engraçado ver como ele lamenta o fim do desejo pela ascenção social através do consumo de obras de arte - parece não ser um problema a redução da arte à função de capital. As belas artes, formadas pela díade "pintura e escultura" (outros meios como desenho e gravura eram considerados arte menor em função de sua reprodutibilidade e menor durabilidade e grau de acabamento - a fotografia surgiu tardiamente e nunca conseguiu de fato alcançar o mesmo status), representam para os conservadores aquilo que a arte deveria ser até hoje: quadros e estátuas belas, verossímeis, imagens de grandiosidade entre molduras ou sobre pedestais - elementos importantes que separam o que é arte do resto do ambiente (ou o que é sagrado do que é mundano). A imagem de uma aristocracia em decadência - e de uma burguesia que se apropriava desses símbolos como forma de construir-se como nova classe dominante. O mais brutal ataque à honra da pintura foi desferido pelo Cubismo Sintético ao incluir colagens com papel impresso e partes de objetos reais. As belas artes agora também eram colagem. Fragmentadas como a realidade na era das grandes guerras e revoluções.]
Garrafa de Vieux Marc, Vidro, Violão e Jornal, Pablo Picasso, 1913 |
[O dadaísmo (tendo seu início em 1916) se apaixonou por esse tipo de desafio às categorias e foi o responsável por estabelecer de vez o desrespeito aos critérios como um dos mais queridos modus operandi do artista moderno. A razão, a lógica, o "verdadeiro sentido das coisas" não passava de caprichos muito frágeis incapazes de sobreviver a uma guerra mundial. A fonte de Duchamp, um ex-cubista muito interessado no cinema (ainda um bebê) e no movimento, é talvez o exemplo mais famoso desse tipo de atitude diante da arte e do quão insuficiente e superficial ela se tornara. O mercado e as instituições de arte sobreviveram ao dadaísmo e aos ready-mades, e de uma louca criação destrutiva essa dinâmica passou a funcionar como mera adaptação. Não é certo dizer que o dadaísmo perdeu - já que ele não tinha objetivos (uma ética algo Curinga do Ledger). Mas a velha e grandiosa arte se manteve como um sistema pronto a absorver qualquer coisa - um sistema de defesa indestrutível, perfeitamente blindado contra inovações desconstrutivas. As vanguardas pós-pictóricas (que desafiavam a definição de pintura e consequentemente a de arte como pintura) foram uma espécie de vacina contra a arte degenerada. Arte deixou de ser sobre tradição nacional e passou a ser uma corrida global pelo estilo mais avançado. Esse estilo não tinha mais nenhum compromisso com a pintura ou com a escultura. Arte era um campo simbólico violentamente disputado. Não tendo mais pra onde avançar, os artistas - não mais organizados em movimentos nem obedientes a estilos programáticos - passaram a explorar o passado no que culminou no ecletismo pós-moderno que hoje define o mercado de arte erudita. O legado da arte conceitual, contudo, modificou permanentemente os discursos possíveis sobre as obras de arte.]
A palavra "arte" tem se tornado mais um sinônimo da palavra "relevância"; um rótulo que colocamos em algo com o objetivo de fazer aquilo parecer significativo. Para colocar naquilo nosso selo de aprovação. Retirar o rótulo de arte de uma peça midiática ou objeto é uma forma de sinalizar que não achamos aquilo relevante. Que achamos aquilo baixo, vulgar ou comum. Como resultado, a confusão sobre o significado da arte tem permitido que essa atribuição de valores esteja submetida às regras de árbitros.
[Essa função do conceito de arte pode ser melhor compreendida se observarmos a história da pintura e das inovações técnicas que a atravessam. Antes da fotografia ser inventada ou mesmo até ela atingir um certo grau de qualidade, a pintura era a maneira mais excelente de se produzir imagens verossímeis e duradouras. Arte era qualquer atividade que demandava técnicas e sensibilidades específicas. Mas a pintura e a escultura eram as melhores dessas atividades. Esse sentido sobrevive até hoje em expressões do tipo "a arte de coçar o pé". Não por acaso, a Igreja e a aristocracia - e posteriormente a burguesia - foram os principais financiadores da pintura e da escultura no ocidente. O "público" consumia essas imagens ao frequentar as igrejas (imagens monumentais de anjos e deuses cobrindo superfícies de paredes altas e abóbodas) - ou através da estatuária pública homenageando figuras de Estado. Das paredes a pintura foi para as molduras mais portáteis, mais adaptáveis ao gosto da burguesia ansiosa por se tornar sagrada e heróica no imaginário do "público". Esta é parte da origem histórica do poder simbólico do conceito de arte.]
[Essa função do conceito de arte pode ser melhor compreendida se observarmos a história da pintura e das inovações técnicas que a atravessam. Antes da fotografia ser inventada ou mesmo até ela atingir um certo grau de qualidade, a pintura era a maneira mais excelente de se produzir imagens verossímeis e duradouras. Arte era qualquer atividade que demandava técnicas e sensibilidades específicas. Mas a pintura e a escultura eram as melhores dessas atividades. Esse sentido sobrevive até hoje em expressões do tipo "a arte de coçar o pé". Não por acaso, a Igreja e a aristocracia - e posteriormente a burguesia - foram os principais financiadores da pintura e da escultura no ocidente. O "público" consumia essas imagens ao frequentar as igrejas (imagens monumentais de anjos e deuses cobrindo superfícies de paredes altas e abóbodas) - ou através da estatuária pública homenageando figuras de Estado. Das paredes a pintura foi para as molduras mais portáteis, mais adaptáveis ao gosto da burguesia ansiosa por se tornar sagrada e heróica no imaginário do "público". Esta é parte da origem histórica do poder simbólico do conceito de arte.]
A "peanut gallery" [sei lá como traduzir essa expressão] zomba de um jogo chamado Hatred, e declara dramaticamente que ele "nunca seria uma obra de arte", ou que estaria "prestando um desserviço ao videogame como forma de arte". Eles parecem não perceber que, graças aos esforços de gente como eles, um urinol pode ser considerado arte hoje. Qualquer coisa pode ser arte - mesmo que eles particularmente não gostem disso. A falta de um sentido para a arte tem empoderado os críticos de arte, e o efeito disso é um público confuso e desinteressado. Fazer o mesmo com os videogames vai apenas servir para empoderar os críticos que defendem essa visão.
[Isso é interessante: qualquer coisa pode ser arte, mas arte não pode ser qualquer coisa. Essa é a razão de ser do urinol: uma prova de que o sistema da arte - artistas, mercado, crítica e teoria - funcionam em completa autonomia em relação às obras de arte, de maneira tão extrema que um objeto ultrajante como um urinol pode ser a obra de arte definitiva do século XX. Ou seja, ao contrário do que John Sweeney tenta defender, as relações de poder entre críticos e o restante da comunidade já estava estabelecida antes das estéticas desconstrutivas se apresentarem - e essas estéticas tornaram essas relações visíveis ao mesmo tempo em que expandiam a definição de arte. Comentamos apaixonados até hoje sobre a porra de um urinol feito por uma fábrica de 1917! E sempre que o comentamos, estamos também comentando a sociedade ao redor do urinol. Sempre! É evidente que não se trata de um objeto com as mesmas proposições da Mona Lisa. Podemos comentar Mona Lisa dizendo "é bonita, eu gosto". É impossível fazer isso com A Fonte. Talvez não fosse mais possível apenas dizer que obras eram bonitas e bem executadas, talvez as pessoas quisessem dizer outras coisas, (talvez jogos não precisem servir apenas pra gente se divertir num escapismo - talvez eles não aguentem mais ser apenas isso!). O urinol é arte? Sim, pelo menos historicamente adquiriu esse valor e o mantém até hoje. É um objeto produzido pelo mesmo sistema que produziu a Mona Lisa. Mas nisso o autor parece concordar comigo. Merece ser arte? Essa parece ser a grande preocupação de Sweeney neste texto.]
[Isso é interessante: qualquer coisa pode ser arte, mas arte não pode ser qualquer coisa. Essa é a razão de ser do urinol: uma prova de que o sistema da arte - artistas, mercado, crítica e teoria - funcionam em completa autonomia em relação às obras de arte, de maneira tão extrema que um objeto ultrajante como um urinol pode ser a obra de arte definitiva do século XX. Ou seja, ao contrário do que John Sweeney tenta defender, as relações de poder entre críticos e o restante da comunidade já estava estabelecida antes das estéticas desconstrutivas se apresentarem - e essas estéticas tornaram essas relações visíveis ao mesmo tempo em que expandiam a definição de arte. Comentamos apaixonados até hoje sobre a porra de um urinol feito por uma fábrica de 1917! E sempre que o comentamos, estamos também comentando a sociedade ao redor do urinol. Sempre! É evidente que não se trata de um objeto com as mesmas proposições da Mona Lisa. Podemos comentar Mona Lisa dizendo "é bonita, eu gosto". É impossível fazer isso com A Fonte. Talvez não fosse mais possível apenas dizer que obras eram bonitas e bem executadas, talvez as pessoas quisessem dizer outras coisas, (talvez jogos não precisem servir apenas pra gente se divertir num escapismo - talvez eles não aguentem mais ser apenas isso!). O urinol é arte? Sim, pelo menos historicamente adquiriu esse valor e o mantém até hoje. É um objeto produzido pelo mesmo sistema que produziu a Mona Lisa. Mas nisso o autor parece concordar comigo. Merece ser arte? Essa parece ser a grande preocupação de Sweeney neste texto.]
Dizer que algo "não é um jogo" não é uma forma de escárnio como muitos vêem - isso é projetar suas implicâncias com a linguagem sobre o debate. Eles vêem as palavras "Jogo" e "Arte" como intercambiáveis e sem sentido. Para que possam ser usadas como rótulos que atribuirão relevância aos seus projetos. Eles não entendem que temos - a maior parte de nós - necessidade por definições úteis.
Quando você está vendendo um produto, você precisa ser capaz de descrever a um membro médio do público no que isso realmente consiste. Toda essa besteira conceitual pós-moderna não ajuda você a atingir o público gamer. Isso mina a fé das pessoas no mercado indie já que "independente" se torna sinônimo de "talvez nem seja um jogo".
Para eles, gamers são uma massa sem luz a ser reeducada. Eles acham que somos pobres tolos que simplesmente não sabem o que é um "Game" e que precisamos "Crescer". Essa é uma das coisas mais loucas sobre a "cena indie" pra mim. Eles acham que um grupo de pessoas que jogaram por uma boa parte de suas vidas não sabem do que eles gostam, e não são capazes de decidir o que é bom ou não, como se o público gamer não tivesse feito esse tipo de juízo de valor por décadas.
Mr. Kirioth, do canal do Youtube Unit Lost, expressou sua exasperação perfeitamente depois de jogar um monte de jogos independentes do tipo "walking simulator" que pipocaram na página inicial da Steam. E não é como se fosse possível se livrar dessa categoria de jogos, uma vez que "walking simulator" é uma tag banida. Ter acessos de raiva por causa do termo "walking simulator" não faz com que essa mecânica estereotipada se torne mais aceita ou celebrada pelo público gamer.
[Acho que aqui temos o primeiro ponto razoável do texto. Categorias são inescapáveis. A cultura humana simplesmente não aguenta ficar sem dar nomes pras coisas, é o nosso jeitinho. De fato simplesmente proibir uma tag por esta ser pejorativa é pura e simples ingenuidade. Tá com fama, deita na cama, camarada indie! Impressionismo, fauvismo, grunge, krautrock, anarquismo, democracia... eu poderia passar algumas laudas listando tradições e movimentos da cultura humana que foram nomeadas pela reação. E é importante sim que possamos utilizar categorias para estabelecer uma comunicação clara, é importante que sejamos capazes de descrever os artefatos que a nossa cultura produz, e é importante que o videogame divergente seja considerado videogame - com dezenas de rótulos em cima, não importa. Se podemos jogar coisas descritas como "bullet hell cute'em up vertical com elementos de RPG" sem pensar que estamos baixando o Mario, podemos jogar (ou escolher não jogar) coisas descritas como "walking simulator", "videogame manifesto", "flat game" ou "choose your own adventure" sem ficar delirando que era pra ser o Doom. O videogame tem um abraço muito grande, cabe todo mundo. E nós somos bons em dar nomes pras coisas que ainda não tem nomes, lembram? Usemos esse poder. O consumidor pode também aprender a ler as sinopses e não depender tanto de tags. A necessidade faz o monge.]
"Indie games" se tornaram uma marca, e a inclusão forçada de não-jogos sob essa categoria está ferindo a marca - e inadvertidamente fortalecendo a posição da indústria AAA. Tendo flertado com o indie no passado recente, os grandes estúdios nunca irão abraçar o mundo dos não-jogos conceituais. Francamente, eles não são estúpidos o bastante e possuem tino comercial pra ver que não há mercado pra isso. Enquanto os jogos independentes mordem o próprio rabo, mesmo o mais inexpressivo blockbuster tem alguma segurança por pelo menos possuir gameplay. Por focar em jogos conceituais "no-hope", a imprensa de jogos e os desenvolvedores indie estão ativamente prejudicando seu próprio mercado.
Mundo Lixo, walking simulator de Terri Vellmann, 2016 |
[Acho que aqui temos o primeiro ponto razoável do texto. Categorias são inescapáveis. A cultura humana simplesmente não aguenta ficar sem dar nomes pras coisas, é o nosso jeitinho. De fato simplesmente proibir uma tag por esta ser pejorativa é pura e simples ingenuidade. Tá com fama, deita na cama, camarada indie! Impressionismo, fauvismo, grunge, krautrock, anarquismo, democracia... eu poderia passar algumas laudas listando tradições e movimentos da cultura humana que foram nomeadas pela reação. E é importante sim que possamos utilizar categorias para estabelecer uma comunicação clara, é importante que sejamos capazes de descrever os artefatos que a nossa cultura produz, e é importante que o videogame divergente seja considerado videogame - com dezenas de rótulos em cima, não importa. Se podemos jogar coisas descritas como "bullet hell cute'em up vertical com elementos de RPG" sem pensar que estamos baixando o Mario, podemos jogar (ou escolher não jogar) coisas descritas como "walking simulator", "videogame manifesto", "flat game" ou "choose your own adventure" sem ficar delirando que era pra ser o Doom. O videogame tem um abraço muito grande, cabe todo mundo. E nós somos bons em dar nomes pras coisas que ainda não tem nomes, lembram? Usemos esse poder. O consumidor pode também aprender a ler as sinopses e não depender tanto de tags. A necessidade faz o monge.]
"Indie games" se tornaram uma marca, e a inclusão forçada de não-jogos sob essa categoria está ferindo a marca - e inadvertidamente fortalecendo a posição da indústria AAA. Tendo flertado com o indie no passado recente, os grandes estúdios nunca irão abraçar o mundo dos não-jogos conceituais. Francamente, eles não são estúpidos o bastante e possuem tino comercial pra ver que não há mercado pra isso. Enquanto os jogos independentes mordem o próprio rabo, mesmo o mais inexpressivo blockbuster tem alguma segurança por pelo menos possuir gameplay. Por focar em jogos conceituais "no-hope", a imprensa de jogos e os desenvolvedores indie estão ativamente prejudicando seu próprio mercado.
O que o gamer regular espera quando compra um produto? Bem, ele espera gameplay e progressão. Você não define o que é um videogame do alto de uma torre de marfim da "Arte" ou da "Cultura". Nós todos definimos o que um jogo é ao usarmos a palavra no nosso dia a dia - e essa noção apavora os auto-proclamados críticos porque põe em cheque todo o seu poder.
Uma grande massa de gamers dizendo que eles não acham que algo seja um jogo não é um levante filisteu rejeitando o futuro glorioso dos videogames; é o consumidor rejeitando uma definição. A tentativa de nos empurrar "videogames conceituais" goela abaixo vai acabar criando um espelho do mundo da arte conceitual; com a maioria do público rejeitando isso como uma bobagem masturbatória.
Essa ideia poderia parecer óbvia. De que há coisas que são e coisas que não são videogames. Mas nós já chegamos num ponto de absurdo, porque o debate tem se tornado político e se entrelaçado com agendas pessoais. A pressão pela aceitação de "games" sem mecânica, a ideia de que eles não deveriam ser diferenciados de videogames de verdade, está apenas empoderando um grupo seleto de pessoas "artísticas". Novamente, devemos olhar para o mundo da arte e para a ideia de uma elite estabelecida de patronos controlando o que é feito.
Essa ideia poderia parecer óbvia. De que há coisas que são e coisas que não são videogames. Mas nós já chegamos num ponto de absurdo, porque o debate tem se tornado político e se entrelaçado com agendas pessoais. A pressão pela aceitação de "games" sem mecânica, a ideia de que eles não deveriam ser diferenciados de videogames de verdade, está apenas empoderando um grupo seleto de pessoas "artísticas". Novamente, devemos olhar para o mundo da arte e para a ideia de uma elite estabelecida de patronos controlando o que é feito.
Serra Pelada, adventure em texto de Renato Degiovani, 1987: seria isso um "jogo sem mecânica" que está destruindo os games de hoje? Não sei. |
Uma bolsa mensal para produzir obras não é uma ideia nova. É uma ideia muito, muito velha. Mas que recebeu uma nova vantagem em razão do ataque ao livre mercado que nós temos visto tomar conta do mundo gamer. Uma certa pressão para que o videogame seja mais firmemente controlado por um punhado de críticos e conhecedores; é por isso que estamos vendo tantas pessoas pedindo por bolsas mensais pra fazer o que o mercado jamais absorveria. A imprensa de jogos então nos empurrou esses projetos não-comerciais e deu suporte a esses desenvolvedores, como nós vimos em Depression Quest e Zoe Quinn. Eles gostaram tanto do conceito de um jogo sobre depressão que subestimaram o fato de que era um "escolha sua própria aventura" porcamente escrito em HTML. Eles até tentaram subverter a definição de programação, tentando elevar HTML a uma linguagem "hard-coding" - algo que faria qualquer um vagamente familiarizado com programação morrer de rir da sua cara. Mas em suas mentes a verdade é desagradável e politicamente incorreta; por isso devemos jurar que branco é preto, pra baixo é pra cima e tudo é um videogame e uma linguagem de programação. Por essa lógica meu testículo esquerdo é uma linguagem de programação, um jogo e uma obra de arte - tudo ao mesmo tempo, eu suponho.
[Sim, acho que pode ser importante respeitarmos algumas definições, como o que seria uma "linguagem de programação", embora eu não esteja nem um pouco interessado nesse debate. Por outro lado um programador, para o que interessa no videogame, é a pessoa que faz o jogo funcionar. É diferente do ilustrador, do pixel artista, do modelador 3D, do músico, do sonoplasta, do roteirista, do game designer... enfim, não há confusão de categorias com uma definição levemente aberta de "programador". Sweeney estaria sendo exagerado se não permitisse uma definição mais atualizada de programador. Sabe, já não programamos mais com tacapes. (Fiquei esperando o que seria o testículo direito mas não veio nada.)]
Radical Dreamers, choose your own adventure da Square, 1996: talvez isso seja um jogo sem mecânica que irá arruinar a vida dos consumidores num futuro próximo. |
Lá no renascimento, patronos abastados usavam suas fartas economias para exibir seu status iluminado. No Patreon e nas redes sociais nós temos pessoas fazendo o mesmo com o videogame. O Patreon, quando usado para entregar trabalho com metas estabelecidas, pode ser uma forma muito útil de conectar conteúdos de nicho com sua audiência. Mas como uma forma de "bem-estar hipster" isso financia aqueles que francamente não possuem talento ou habilidade para fazer algo que mesmo uma moderada quantidade de gente vá querer jogar. As idéias por trás de muitos desses jogos são mais celebradas do que os jogos em si, esse é o movimento em direção ao "conceito sobre o conteúdo" no campo dos videogames. Quem são os desenvolvedores, pura política identitária, também é um elemento mais importante do que os méritos do jogo.
[Sweeney não gosta do Patreon. Aparentemente ele prefere que as pessoas morram de fome, mesmo que alguém queira pagar pelo que ela produz. Não entendi direito o ponto dessa crítica, parece ódio preconceituoso puro e simples, sinto muito se deveria parecer outra coisa. Ainda considero Patreon como parte do mercado e me pergunto o que é "livre" na mente de Sweeney, se livre não pode incluir pessoas se financiando mutuamente numa rede de contatos porque querem e precisam.]
O esforço em remover o significado da palavra videogame tem vencedores e perdedores; mais uma vez isso vem com um grande potencial de ganho financeiro. Governos e instituições educacionais estão buscando investir dinheiro público e oferecer bolsas a desenvolvedores e pesquisadores de videogame. Como vimos com os criadores de Sunset, Tales of Tales, essas bolsas de arte garantem um ganho proporcional à renda de muitos na área - embora seus jogos não sejam capazes de sobreviver comercialmente. Assim que pararam de receber a bolsa, deram um chilique e implodiram.
É assim que toda uma legião de art games terríveis são feitos e os desenvolvedores embolsam um lucro mesmo sem precisar vender uma única unidade ou competir no mercado. Se você consegue convencer um governo ou universidade de que você está "elevando o video game além de seus limites", ou de que sua única fase feita com assets da unity com uma narração sobre algo "profundo" é um videogame, e não um pedaço de lixo que demandou esforço mínimo e que poderia ser feito por uma criança de sete anos, você pode garantir financiamento. A reação violenta a quem diz que "isso não são jogos" é parte de um esforço em evitar o escrutínio de seu produto.
[Não sei se Sweeney faz jogos, mas meus alunos de onze anos fazem e eles são muito divertidos, desculpa aí.]
Os perdedores são aqueles que genuinamente querem conquistar um avanço em game design, ou desenvolvem pesquisas que requerem financiamento mas estão sendo sugados por cientistas sociais buscando dinheiro rápido e fácil sem precisar aprender como fazer um jogo de verdade. Isso se torna ainda mais irritante quando nos lembramos de que esse dinheiro vem majoritariamente de pagadores de impostos como eu e você.
["Cientistas sociais ganham dinheiro rápido e fácil sem precisar aprender a fazer jogos" - apenas um eco dramático aqui.]
Mais uma vez, vemos como aqueles que disputam uma guerra pelo significado dos videogames - e o conceito de gamer - evitam a necessidade de conquistar certo grau de competiência, viabilidade comercial, suporte da comunidade, e produzir um produto que as pessoas realmente vão querer pagar pra jogar. Eu disse na parte seis da minha série "Morte do Jornalismo de Games" que eu prevejo alguém declarando ser um videogame no futuro próximo, e essa pessoa terá o apoio emocionado da imprensa e uma boa fatia do dinheiro público por tão brava declaração conceitual. Já existe um precedente: inúmeras pessoas no mundo da arte já se declararam de alguma forma como "obras de arte". Se a imprensa e a cena indie continuarem seguindo a mesma trajetória da arte conceitual, é só uma questão de tempo até vermos essa tendência aparecer nos jogos.
[Eu já estava quase achando que Sweeney era um videogame, porque ele parece mesmo uma obra de ficção com mecânicas repetitivas. (Desculpem só estar fazendo comentários sarcásticos agora, prometo que vai ser o último.)]
O consumidor não vai te dar dinheiro pra você dizer que uma cadeira é um game. Ninguém vai comprar um Simulador de Crise Existencial 2015; Mas estamos a dois passos de perder a aceitação universal que o videogame conquistou, sua ubiquidade, e vê-lo apenas através de vidros para refletir meditativamente.
Pra todo mundo que está por aí dizendo que jogos estão sendo "exclusionários", vocês acham que uma cadeira é um videogame? Não? Se podemos dizer que algo não é um videogame ou que é um videogame então é porque o termo possui uma definição estabelecida e um significado que podemos compreender e consentir. Agora estamos apenas pechinchando, não se trata de ações exclusionárias tal como a imprensa e alguns desenvolvedores tem pintado. Se trata de um simples e chato debate sobre definições. Deveríamos estar tendo um debate, algo que a imprensa e seus desenvolvedores de estimação detestam, então o lado oposto do debate se torna "reacionários exclusionários homens-bebê" e a coisa se encerra por aí ao invés de se desenvolverem argumentos que defendam por que peças de mídia vagamente interativas e sem mecânica são jogos.
Um objeto inanimado não é um videogame. Se você acha que é, então está maluco. Dizer que "uma cadeira não é um videogame" é exclusionário também? Se não, então por que tanta vontade de transformar esse debate sobre definições numa polêmica? O primeiro elemento definidor eu suponho que seja a interatividade, mas um menu de DVD também é interativo... ele é um videogame? A área de trabalho do seu computador é?
Aqui está um desafio pra você: me prove que um menu de DVD e um sistema operacional não são videogames sem usar uma definição que possa excluir algo como Gone Home e Mountain. Eu acho que você vai se estrepar.
Esse papo de DVD me lembrou Action Max: console de 1987 baseado em VHS. Um bom exemplo de experimentalismo na indústria de consoles. Infelizmente o mercado o matou. |
[Vamos tentar: Um menu de DVD pode ser videogame, desde que se comunique com um repertório de videogame - um certo acúmulo simbólico de um campo cultural específico, algo que é totalmente histórico e passível de transformação - e seu autor o declare videogame. Sim, a declaração aqui é importante porque apresenta o objeto ao campo que vai interagir com ele - o coloca sob o escrutínio (pra usar um conceito de Sweeney) de uma comunidade familiarizada com o repertório em questão e que fruirá o objeto como jogo, desenvolvendo julgamentos que são imprevisíveis nesta hipótese. Um menu de DVD em abstrato obviamente não é um videogame. Idem o sistema operacional. As coisas se relacionam, nada está num vazio. Talvez o console fantasia Pico-8 seja um bom exemplo de como os dispositivos que nos possibilitam jogar formam nossa experiência como jogadores, constituindo também o repertório do videogame mesmo sem ser "o jogo".]
Pico-8 de Lexaloffle |
O videogame é uma indústria construída ao redor do consumidor. O mercado de jogos independentes já está saturado com uma quantidade estonteante de jogos e tem ganhado, justa ou injustamente, a reputação de ter muitos "walking simulators" e muitas porcarias pretensiosas. Há uma quantidade muito pequena de dinheiro nesse negócio que não venha do público gamer. Se essa moda pega, então o mercado só vai diminuir. O mercado independente vai implodir se os jogadores não comprarem os jogos.
[Foi ficando cada vez mais paranóico. Enfim, vou continuar fazendo porcarias pretensiosas e chamando de videogames. Chamar de arte não é estrategicamente proveitoso pra quem quer transformar o videogame numa anarquia maravilhosa - talvez seja proveitoso pra quem quer simplesmente buscar asilo no campo da arte. Vou continuar fazendo arcades divertidos também, eu gosto dessas coisas. Acho que Pierre Bourdieu fala bastante sobre esse negócio de campo e repertório, caso não confiem em mim - embora eu não me lembre de ter lido nada dele. Mas converso com gente que leu, então tanto faz. Não sou acadêmico mesmo...]
[Foi ficando cada vez mais paranóico. Enfim, vou continuar fazendo porcarias pretensiosas e chamando de videogames. Chamar de arte não é estrategicamente proveitoso pra quem quer transformar o videogame numa anarquia maravilhosa - talvez seja proveitoso pra quem quer simplesmente buscar asilo no campo da arte. Vou continuar fazendo arcades divertidos também, eu gosto dessas coisas. Acho que Pierre Bourdieu fala bastante sobre esse negócio de campo e repertório, caso não confiem em mim - embora eu não me lembre de ter lido nada dele. Mas converso com gente que leu, então tanto faz. Não sou acadêmico mesmo...]
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