segunda-feira, 30 de abril de 2018

COMO FICAR RICO FAZENDO VIDEOGAMES SOZINHO (Ataque no PAIN)

No dia 3 de fevereiro de 2018 aconteceu o décimo sétimo PAIN, um encontro mensal do videogame independente local. A edição #17 aconteceu no poa.hub. Fui convidado pelo Lucas Molina, que é o principal responsável pela organização do PAIN, a dar uma palestra. Decidi que seria mais legal fazer uma espécie de Ataque ao vivo, até porque acho palestras meio cafonas. Participaram no local eu (Pedro Paiva) e Lucas Goulart. Por videoconferência participaram Carolina Stary e Henrique Antero. A gente também planejou transmitir via Youtube, mas essa parte não funcionou direito, o áudio ficou péssimo, e por isso começamos a fazer uma transcrição das nossas falas. Pelo menos aquelas mais audíveis ou que tínhamos anotadas. O Lucas ainda está trabalhando na transcrição dele, e provavelmente a coisa vai virar um artigo de dezenas de páginas. Quando ficar pronto, eu linko aqui ou incluo no corpo da postagem. [EDIT: Já ficou pronto, está aqui.] Também trabalhou na transcrição o nosso colega de podcast Janos Biro.

O título da palestra era obviamente uma mentira, o que decepcionou alguns mas satisfez outros que levaram pro evento uma curiosidade mais esperta. Caso alguém que tenha participado do evento se lembre com clareza de alguma parte que não consta na transcrição, não deixe de usar os comentários. Segue a transcrição:

Pedro Paiva
Uma coisa que eu considero um problema fundamental do videogame independente brasileiro, é que ele não é independente por uma questão de princípios. Ele é circunstancialmente independente.

Quando a independência tá na base da cena, todo sucesso é coletivo. Todo sucesso tem a ver com uma cena mais unida, mais inclusiva, mais emocionante, mais forte, mais organizada. Mais gente, mais diversidade, mais movimento, mais beleza.

Quando a independência é circunstancial, o sucesso tende a ser individual. O indivíduo bem-sucedido deixa o independente quando é catapultado pra indústria. E ele deixa o independente no sentido de o superar, porque ele eventualmente continua circulando na cena, mas agora ele dá palestras de empreendedorismo. Ficam pra trás, na cena, assistindo essas palestras, aqueles que fracassaram ou que ainda estão tentando. Os que ficaram pra trás tomam esse sucesso como modelo imitativo, e isso empobrece os jogos que são vistos como o produto de uma técnica ótima, e não a linguagem que dá sentido ao encontro de diferentes pessoas apaixonadas.

Como o número de pessoas fracassadas é sempre maior do que o número de pessoas que ficaram ricas fazendo videogame sozinhas, as pessoas vão se desiludindo e tocando suas vidas, vão deixando de tentar, e a cena morre sem deixar ninguém pra tocar a tradição, sem deixar ninguém que possa levar o acúmulo de experiências pras próximas gerações. Porque ninguém aprendeu nada, só ficou maluco e triste. Quem ganhou, ganhou, e quem ficou na margem ainda vai estar mascando esse chiclete vinte anos depois.

Isso não quer dizer que a competição não exista ou que uma comunidade não tenha membros que são mais talentosos ou mais expressivos em determinados trabalhos. E por isso eu acho importante, também, que uma cena independente não seja feita só de desenvolvedores de jogos. Às vezes, o melhor que uma pessoa pode fazer pela cena é parar de fazer jogos. O que não significa ficar sem fazer nada. Também não quer dizer que não tenhamos ambições ou que não possamos fazer sucesso individual. Acontece que essas coisas não devem estar na base da cena, não devem estar na base ética, política, filosófica, ideológica da cena. Isso é diferente de dizer que essas coisas não acontecem ou não podem acontecer.

E pra isso a gente tem que mudar nossos esquemas. Esquemas mentais e organizativos. Pra que a cena não produza gente maluca e triste.

Bom, pra começar eu proponho a substituição do networking por apoio mútuo. Em vez de usar as pessoas egoisticamente pra fazer alpinismo social, podíamos nos associar com os outros por interesses genuínos e movidos por uma vontade solidária. Uma cena independente não pode ser só expressão do mercado de trabalho.

A segunda substituição: competição por rivalidade. A competição força os fracassados a imitar fórmulas de sucesso. Isso acaba com a diferença, que é a essência da rivalidade. A competição tem uma lógica mais genocida e tem mais a ver com guerra. A rivalidade potencializa as diferenças e tem mais a ver com jogo.

E a terceira substituição: o sonho pela utopia. O sonho tem dois pontos finais: o sonho realizado e o sonho frustrado. O sonho frustrado é maluco e triste. O sonho realizado é um lugar de mediocridade e conservadorismo. Pessoas nas janelas das mansões dando tiros nos ladrões que pulam o muro. Felizes para sempre. A utopia é muito melhor, ela é impossível, ela é pra todos, ela é pra sempre insatisfeita com a realidade. A utopia a gente atualiza. Do sonho a gente desiste.

Eu acho que, através de substituições como essas, a gente consegue criar esquemas que nos levem ao independente. O independente por princípio.

Henrique Antero
Eu sou o Henrique, sou jornalista. Um dos meus principais projetos é o JOGOS FRITOS, que foi uma página no Facebook e no Tumblr, de curadoria de videogame, onde eu postava jogos gratuitos todos os dias. O meu interesse nesse tipo de jogo é que ele não era nem indie nem AAA, de certa forma, sendo distribuído gratuitamente e feito por pessoas sozinhas. Não é um CNPJ que tá fazendo. O meu interesse por esse tipo de jogo começou por uma limitação técnica: eu não tinha um computador que funcionava bem, não rodava nenhum jogo, não rodava nada de mais, então eu tinha que procurar os jogos de graça na internet, os jogos em flash e tudo o mais. E, de tanto procurar, acabei encontrando alguns jogos que mudaram minha maneira de pensar sobre videogame. E o JOGOS FRITOS e todos os meus projetos jornalísticos... aliás, foi através desse projeto que eu conheci os jogos do Pedro Paiva. Esse tipo de jogo mudou a minha mentalidade em relação ao videogame e mudou o que eu queria apresentar pras pessoas como jornalista. E, analisando a cena do jornalismo, que é a minha área, eu vejo que a maior parte das histórias que a gente tem sobre indie, sobre empreendedorismo, é essa coisa de "veja a pessoa que largou tudo, largou seu emprego, abriu uma empresa, conseguiu ganhar uma grana e agora tá rico, agora tá bem, tá fazendo os jogos que quer"... e essas são as histórias que a gente costuma ver - e eu sou jornalista, eu sei - porque são as histórias mais interessantes. Ninguém quer ouvir sobre a pessoa que não conseguiu pagar o aluguel desse mês, ou que não conseguiu pagar a conta da eletricidade e a empresa ficou sem. Porque isso são coisas cotidianas, são coisas que acontecem pra muita gente. A raridade é o cara que consegue fazer o jogo que quer e ganhar uma grana com isso. Mas se a gente olha pela internet, se a gente olha pelo jornalismo, não parece. Parece que o videogame tá aí pra todo mundo, e que tem dinheiro pra todo mundo, e eu acho que não é bem assim. A minha questão com o JOGOS FRITOS foi uma questão de curadoria: eu tive tempo de jogar mais do que a maioria das pessoas, talvez (esse projeto já acabou, porque eu acabei não tendo o tempo necessário). Todo mundo tem uma atenção limitada, todo mundo tem família, trabalho, problemas pessoais - não é todo mundo que tem um tempo pra jogar videogame. Então o meu propósito de curadoria era poder apresentar esse tipo de coisa que foge um pouco dessa estética indie. E eu acho que a questão que eu descobri é que, justamente, a atenção é um recurso limitado. E que se todo mundo tá fazendo jogo, a gente tem que considerar que não vai ter atenção pra todo mundo. Todo mundo tá batalhando nessa competição por reviews, por likes, por um lugar no Steam... tá todo mundo batalhando nesses sistemas pra ganhar o que o outro não tem, ou pra tirar o que o outro tem. Pra ver quem consegue mais atenção, quem consegue mais pessoas jogando o seu jogo e não jogando outra coisa.

Eu só queria chegar nisso pra voltar ao que o Pedro falou, que é essa questão de sistemas. É mais importante do que nunca, por causa da internet, por que todo mundo tá fazendo jogo, porque muita gente pode fazer jogo, porque existem milhares de jogos na internet - é mais importante ainda que a gente tenha comunidades como itch.io, e que a gente apoie comunidades como itchio, escolha comprar no itch.io e não no Steam (se o jogo tá disponível nas duas plataformas), porque no itch.io uma porcentagem maior vai pro desenvolvedor - ou uma porcentagem maior vai pro itch.io se você quiser, você pode escolher. Então é mais importante do que nunca a gente pensar em que comunidade tá criando pro videogame indie brasileiro. Porque a gente não tem nada que una o videogame brasileiro. Então que tipo de comunidade a gente tá criando, de que tipo de sistemas a gente tá dependendo pro nosso sucesso de fazer jogo, ou pro meu sucesso de fazer jornalismo. Porque, se a gente tá dependendo do Steam, a gente tá dando muita responsabilidade e muito poder pra alguém que não se interessa por nós. Alguém que não tem um interesse genuíno naquilo que a gente tá fazendo, na produção cultural genuína que a gente faz, brasileiramente falando. Então é mais importante ainda que a gente pense em prioridades, pense em como que a gente tá distribuindo os jogos, pense em que tipo de jogo a gente tá fazendo, até. Se a gente tá copiando os jogos que tão no Steam ou se a gente tá procurando ideias novas, pensando em fazer algo que é diferente. Porque é isso que vai definir se o que a gente tem no Brasil vai ser... não digo nem em termos de sucesso, de ficar milionário, mas se isso vai ser viável mesmo. Se a gente vai conseguir sobreviver e chegar daqui a dois anos e ter bons jogos brasileiros e que não sejam só uma imitação do que a gente tem lá fora.

Carolina Stary
Eu acho que o Pedro e o Henrique fizeram uma introdução muito bacana sobre os jogos indie e o que ser indie significa. E é claro que, como inclusive a gente já disse no podcast - o Pedro disse, na verdade - ser indie ou o que significa um jogo indie é uma coisa que tá aberta pra disputa. Ninguém sabe muito bem, é uma categoria bem vaga. E é um termo que a gente disputa porque justamente ele quer dizer muito. Eu acho que existe muito apego a ele por parte da galera que pensa no indie como justamente uma proposta de jogos não hegemônicos, né, que tem muito a ver com curadoria, o que o Henrique fazia no Jogos Fritos por exemplo. E por outro lado eu acho que justamente quem se vê enquanto empreendedor, enquanto desenvolvedor e empreendedor, que encara o empreendedorismo como a luta, ou seja, quando ele tem que lutar por isso, e aí a gente pode colocar em termos bem claros, que é lutar pela própria sobrevivência, ele se apega o indie porque é essa a característica dele, né, é ali que ele se encontra. E aí a gente ficar nessa coisa de que justamente esse caráter identitário do indie, tipo "eu sou um desenvolvedor indie", "eu jogo jogos indie", "meu blog fala sobre jogos indie", coloca a gente meio que num no vácuo a respeito da comunidade que a gente forma em torno disso. Como o Henrique colocou, não sei muito bem qual a comunidade de jogos indie que a gente tem no Brasil. Quem é a galera que desenvolve jogos? Quem é que joga esses jogos ou quem são as pessoas que criticam esses jogos? Quando a gente cria a comunidade em volta necessariamente do empreendedorismo, de enxergar o jogador como o consumidor, como um usuário consumidor, comprador ou qualquer coisa do tipo, a gente cria um vácuo que eu acho que a gente enquanto podcast de esquerda ou coisa do tipo sente muito e quer fomentar, fomentar as outras discussões que não tem necessariamente a ver com “cara, como é que eu posso ganhar dinheiro”, “como posso vender isso”, ou “será que o jogo vai dar certo no caráter comercial”.

[tentando reconstruir de memória algumas perguntas]

Pergunta 1: E desenvolvedores como Miyamoto, por exemplo, que são grandes nomes na indústria e ainda fazem bons jogos? Eles não podem ser referência pro independente?

Resposta (Pedro): Já faz muito tempo que autores como Miyamoto ou Kojima deixaram de ter um envolvimento artesanal com os jogos que fazem. Eles assinam os jogos, hoje eles tão muito mais próximos do marketing do que de um trabalho artesanal. 

Lucas: Como a Calvin Klein. Não é mais o Calvin Klein que faz as cuecas.

Pedro: É, mais ou menos isso. Eu acho que... mais importante do que a gente pensar “queremos ser como o Miyamoto”, é pensar no que dá pra aproveitar dos jogos que eles assinam. Estamos no Brasil, existe uma grande distância entre a indústria daqui e a indústria do Japão. Trabalhar com videogames no Brasil é, na maior parte das vezes, um ofício espiritualmente miserável. O sucesso profissional que podemos fazer aqui ainda tá muito restrito a advergames, jogos institucionais, coisas desse tipo. A maioria de nós não vai chegar nem perto de ser como o Miyamoto, mesmo se fizer sucesso.

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